quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Água Benta.


Talvez o poeta também finja que as horas não passem. Aí em um minuto pode estar uma eternidade de minutos que vão se escrevendo em muitas PESSOAS.


Como chove muito hoje em Porto Alegre, escolho um dia de muito sol. O que acontece no telhado são pingos, uns molham a folha do papel e os outros, deixo-os para que sejam bebidos pelas calçadas que nunca andei. Nós todos temos sede de alguma coisa. Mais uma vez vou ao encontro da água benta. Sei que D. Merci guardou em algum lugar. Não faz por mal. Só tem essa mania de querer sempre colocar as coisas em ordem.

Laços.


Fitas mimosas, laços para dar nó nos tênis, laços quando queremos dar um charme especial no pacote de presente.


O amigo que chora ao nosso lado, o irmão que oferece seu ombro quando nos separamos, o Babálorixá, o Padre, o Pastor, o Xamã. O ônibus se afastando da rodoviária deixando as nossas raizes para trás e, contar que indo para frente, iremos encontrar novos laços para vencer o novo destino. Placas verdes. Agora, pé na estrada.


O boiadeiro, o marinheiro, o gaúcho, o cangaceiro, o jangadeiro.
O amor que escapou, o porto que ficou mais alegre, o chimarrão alcançado com o coração, o sonho de que amanhã possa chover e não se precise partir.


Laços com o passado. Laços com o presente. Laços com o futuro.
A ex-namorada poderia voltar, remexer a agenda e procurar algum endereço, folhear o album de fotografias da família, esbarrar numa velha amiga no shopping, que virou colega, que virou passado.


Ir buscar os filhos no colégio, tentar estudar novamente, ler aquele livro que está empoeirando sobre a estante, mandar concertar o carro, começar a juntar um dinheiro para as férias, atualizar a lista de emails, trabalhar com felicidade, ter felicidade ao trabalhar. Colocar no presente o verbo para que os sujeitos possam agir. Ligar, combinar de ir dançar, convidar alguém para um café, comprar um vestido novo, passar batom, cortar o cabelo, não temer o espelho, sacudir a poeira e entender que se alguma coisa foi perdida no passado deve ter sido um presente. Um presente com a natureza. Um presente com a oração. Um presente com o presente.


Fazer planos, entregar-se, aceitar uma proposta de casamento, parar de “ficar” e assumir um compromisso. Dizer sim, não temer um não. Ingressar em rodas de capoeira, em rodas de discussão, em projetos que olhem por aqueles que ninguém olha por eles. Encarar o futuro como um grande laço. Aquietar a mente, unir as partes, compor os fragmentos, esquecer essa coisa hiper e tratar mais de perto tantas coisas micros que devem ser feitas para aumentar a paz e reduzir a guerra.


Ao invés de termos laços que amarrem, que prendam, que sufoquem, que afoguem, que machuquem, que escravizem, podemos ter os que embelezam. Laços que não temem perder porque não se preocupam em ganhar. Laços que não pensam em eternidade porque estão livres para viver o tempo. Laços que se fazem e se desfazem naturalmente: sem traumas, sem seqüelas, sem birras, sem culpados, sem adeus. Laços que vão e voltam, que voltam e vão, feitos de verdade. Bem-ditos laços de Deus.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Vírgula.


Dois segundos podem não representar nada para quem o despertador acabou de tocar. Para o nadador pode ser o tempo entre infelizmente não deu e a conquista. O limite é engraçado. Ele dá risadas de nossas afobações e perdoar parece não ser o seu verbo predileto. A calça um número a menos que não entra, não perdoa. Os pés dentro dos sapatos apertados, não perdoam. A cama de casal enorme que não passa pela porta do novo apartamento minúsculo, não perdoa. A distância, não perdoa.


Temos passado uma eternidade desenhando nossos triângulos, nossos quadrados, levantando cercas por aqui, privatizando sentimentos por ali, contendo aquele sorriso, levando para casa aquele gosto de limão pela azeda resposta que ficou trancada na garganta. Tudo porque é preciso envelopar, reservar-se, dar um tempo, contar até 10. Será que o tempo esteve na nossa mesma escola e aprendeu essa matemática do amanhã eu faço?


E se pudéssemos fazer tudo? Tomar a bebedeira e não ter ressaca. Passar na frente da luz e não ser multado por velocidade. Deitar-se na rede do vizinho e ainda tomar o sol exclusivamente para nós. Chupar o sangue e revelar-se como vampiro de água benta. O limite está na beleza, ou faz a beleza, ou é a beleza.


A beleza é vírgula porque carrega a textura do recriar, reinventar, reescrever. Não é reticência porque se não envelheceria. Estaria com aqueles olhos reticentes, enrugados pelo tempo que não fez. E a beleza não envelhece, sem limites, ela tem a propriedade interminável de ganhar outros desenhos. Naquela manhã Beatriz soltou os cabelos e voou. Foi pintar sua casa nova.

Óculos Escuros.


Mais dia, menos dia, vai entrar a primavera e o céu vai ficar mais limpo e poderemos ver as estrelas com mais facilidade.

O Lorenzo desenha suas estrelas nas suas folhas de papel. Algumas vezes elas são de seis pontas em outras são de cinco. Vejo que nem sempre são amarelas, percebo que ele permite uma constelação com estrelas verdes, prateadas, azuis e até mesmo negras. Pérolas negras.
Não acredito que as televisões, as colunas sociais, os comentaristas de futebol, os critícos, a publicidade, ou seja lá quem for que tenha poder de convencimento sobre o outro ou muitos outros possa desenhar suas estrelas como as do Lorenzo. É fácil colocar um spot sobre algo e fazer esse algo brilhar. Mas, a estrela, essas de cinco ou seis pontas, feitas da matéria pura da inocência, permanecem brilhando mesmo no escuro.

Podemos acreditar que o Mercedes-Benz seja uma estrela, podemos acreditar que a escandalosa da Vanessa Camargo seja uma estrela, podemos acreditar que os bonitinhos como Felipe Dylon, ...sejam estrelas. Até é possível supor que pessoas doentes pela fama como a Adriana Galisteu, o Faustão, o Gugu, a Xuxa, as nuas da Playboy, os exibidos da Caras, os insanos das páginas amarelas da Veja, os trangênicos da música sertaneja e do pagode, ou as mais novas constelações de safados que brilham com suas desonestidades nas CPIs sejam estrelas. Mas, as estrelas brilham eternamente, mesmo não estando lá.

A juventude, a beleza, a pele esticadinha, o corpo, não são suficientes. Com as estrelas as progressões são diferentes. A estrela quanto mais velha, mais bonita fica. Quanto mais o tempo passa, mais charme. Os dias contam positivamente para a sua história. Os anos não às apagam.

Nunca mais vi a minha professora que alfabetizou-me. Talvez ela passe essa vida inteira, Dn. Astra, sem que uma linha seja dita de quanto foi belo o seu trabalho. De como fez pessoas melhores, de como sua luz, acendeu luzes. É um equivoco acreditar que estrelas sejam rostinhos sem espinhas, bundas durinhas sem ou com silicone. Gente que não faz e ganha muito.

Lá atraz, entre os povos tribais, isto tudo estava relacionado com os sábios, os bravos, os mágicos, aqueles que nasciam com alguma diferença. Tão diferente para um mundo que só aceita iguais.

Coisa chata essa riqueza.

Aí canta uma musiquinha fica de estrela por algum tempo. Aí escreve um livro de auto-ajuda e fica de estrela por algum tempo. Aí faz um programete de auditório só com bobagens e fica de estrela por algum tempo.

Mais dia, menos dia, vai entrar a primavera e o céu vai ficar mais limpo e poderemos ver as estrelas com mais facilidade. Não dá para crer que estamos fadados a andar pelo resto de nossas vidas de óculos escuros.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Piano.


Somos senhores dos nossos destinos ou os nossos destinos são nossos senhores? Não precisamos mais do que dois olhos para enxergar. Muitos, não precisam mais que um. E outros enxergam mesmo sem nenhum. Viemos de alguma fábrica, que desconhecemos o endereço, mas ela já pensando no caso de troca ou devolução nos mandou completos.

Completos para ir a busca da nossa própria felicidade.

Colocar nas mãos de outro nossa felicidade deveria dar cadeia. Temos ficado presos aos elogios de tantos fulanos e ciclanas. Uma comédia. Um circo. Uma novela pior que os piores pastelões mexicanos. E o resultado de tudo isso é geralmente pena de morte. Morte de nós mesmos.

Uma receita mal elaborada é aquela que nunca dá certo. Milhões de pessoas tentam e a massa continua abatumando. Sempre falta um molho. A coisa ou fica muito salgada ou a coisa fica muito melada. Colocar nossa felicidade nas mãos de outro é uma receita que nunca dá certo.

Vá para frente do espelho e tente ficar bonita para você mesma. Leia novamente aquele relatório e pergunte para dentro de você se ali está o melhor de você? Ao acabar de dar aquela aula responda-se: era o melhor de mim.

Vamos acabar com os intermediários da nossa felicidade. Tipos que tem nomes como alma gêmea, cara metade, o pedaço de mim, a metade afastada de mim.

Nenhum navio fica para sempre no mesmo porto. Quando o senhor da nossa felicidade nos dá alforria, então como agir com a nossa liberdade? Não importa porque foi. Foi porque se tornou adulto, porque cansou da nossa cara, porque ficamos. Choramos. Não choramos pela partida, choramos mesmo porque mais uma vez é hora de conduzirmos nossa própria felicidade. A história pode ter um cenário diferente, mas é sempre a mesma. Ficamos num vazio danado.

Estamos precisando de carinho, mas é do nosso carinho. Estamos precisando de reconhecimento, mas é do nosso reconhecimento. Estamos precisando de amor, mas é do nosso amor. Estamos precisando sonhar, mas é o nosso sonho. Ninguém tem a mão tão grande para ir tocar lá dentro do nosso coração. Ninguém tem as palavras tão apropriadas para convencer os nossos ouvidos e nenhum sonho pode terminar em bem –me-quer, se nós mesmos não formos os protagonistas dele.

Um piano pode ser tocado com quatro mãos, mas cada par de mãos têm que saber exatamente que, se acaso aquele outro par de mãos não estivesse ali, a vida seria tocada com a mesma beleza.

Cinema.


Gosto de filmes, mas filmes que falem de amor. Não precisa ser de um amor vivido necessariamente por duas pessoas. Mas um olhar romantico. Olhar romantico sempre faz o coração abrir-se em arcos. Acontece tão pouco belos romances na vida real.

Na verdade gosto muito de cinema. Pode ser para namorar ou só para estar lá. As pipocas de casa são gostosas, mas as do cinema dão uma sensação de serem feitas especialmente para aquele passeio. Um passeio naquela tela gigante. Um passeio por aqueles signos. Sou de Leão e você?

Só costumo convidar as pessoas especiais para ir ao cinema comigo. Só pessoas especiais podem ficar com a gente numa sala a meia luz, num silêncio em conversa.

Os cinemas são maravilhosos. A luz atravessando a sala como se atravessasse nossa própria história. Os olhos acompanhando o próximo acontecimento como se aquelas vidas ilusórias fossem nossas próprias vidas. Talvez não? São.

A vida pode iniciar meio salgada e esperamos pelo final doce. Os bons filmes nem sempre acabam tudo nas mil maravilhas. Na vida é o inverso. As grandes vidas acabam sempre se dando mal.
Quando chegou a televisão disseram que o cinema ia acabar. Quando chegou o VHS disseram que o cinema ia acabar. Quando chegou o DVD disseram que o cinema ia acabar. Insistimos em acreditar que o que é bom pode acabar. Só acaba o que é ruim, se não fosse assim, as coisas não tinham razão de ser. Como podemos imaginar que o beijo vai acabar, que o bilhete cheio de carinho vai acabar, que sanduiche com queijo, presunto, tomates e umas folhas de alface com muita maionese, isso pode um dia acabar? As lua cheia permanecerá existindo sempre que houver alguém com vontade de se declarar para alguém.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Cobertor.


Vi aquele pedaço de aurora quando mal os olhos da lua iam se pondo nas vistas do sol. Retalho de algodão primoroso. Dei a costureira para que fizesse um bom e quente cobertor. Seria usado para cobrir o novo amor ou o amor que se foi e deixou os lábios gelados.

Não é uma loja, é um armarinho. Costura para as beatas da igreja que é em frente, algumas encomendas de reparação e bainhas que já se arrastam contando as histórias dos paralelepípedos. Faz alguns modelos e expõe na sua vitrine para vender. Quase ninguém compra, mas há muito aquilo deixou de ser um comércio para ser um ofício. Arrepiou-se quando abriu a caixa. Com os dedos furados pelos anos de costura tirou lá de dentro a minha fazenda. Falou-me que usaria o tear de pregos e o estilo seria com ponto ziguezague, toques de escama e algo mais infantil para não perder a matéria angelical. Continuou dizendo que não ficaria maior que 2 metros de cumprimento por 3 de largura: tamanho solteiro.

Basta-me aquecendo os olhos da ilusão. Será razoável quando a dor me parecer insuportável, o dinheiro não me for sinônimo de riqueza, o vinho não simbolizar o sangue do cordeiro, a crença não pedir trem para a guerra e o sacrifício não for uma forma de esconder a falta de prazer em acender pelo menos mais um fósforo.

Só após meia dúzia de meses a danada marcou para me entregar a encomenda. Fui atacado de tamanho ciúme – o cobertor tinha sido usado. Ensaiei algumas palavras ofensivas, busquei alguns verbetes mais que especialmente feios, mas antes de tudo isso, ela me disse que Clara teve noites e dias de muito inverno, mesmo quando o sol era radiante. Perplexa com tanta angústia além de tentada cedeu aos pedidos da moça.

Nunca mais vi a costureira, mesmo passando diariamente em frente ao seu armarinho. Nunca conheci Clara com quem para sempre ficou aquela peça. Sei que Clara curou-se, teve filhos e foi ser feliz. Abri a janela pela manhã e lá estava novamente o pedaço de aurora. Dessa vez não o peguei. Colocar em cativeiro o que é livre pode passar do atelier para a prisão.

cHOCOlate QueNTE.

As coisas podem ser iguais, mas elas sempre são diferentes.

Olhar para o calendário pode ser desconfortável algumas vezes. O tempo que passou parece não ter passado. Não somos convidados a viver, somos obrigados a viver.
Se de alguma forma parece tarde para iniciar algumas coisas, por outro lado é sempre cedo para não ir. A mesma janela que aponta o vento, aponta também o sol. Se tiveres tempo vá, se não tiveres tempo vá também.


Usávamos o amor como forma de nos entender, hoje usamos o amor como forma de nos desentender. Esquecemos que o mesmo porto que trás aquele que partiu é o que leva aquele que pode retornar.

A vida andava mais devagar.
Os trens andavam devagar e chegaram os automóveis.
Os automóveis andavam devagar e chegaram os aviões.
Os aviões andavam devagar e chegou a Internet.


Fizemos um mundo rápido. Tão rápido que não temos mais tempo para sentir. Sinto-me neste momento com vontade de tomar chocolate quente. Roupas bonitas não aquecem o coração.