sábado, 26 de março de 2011

]De lua[

Tanto aquele que escreve como aquele que uiva não são pessoas. São a primeira pessoa. Essa coisa do espiritualizado é para que possamos dar esmolas sem nos darmos conta que ainda estamos comprando cadeiras no céu.


Salgado, hora manso e hora bravo, todos somos de lua e temos ressaca. Viemos ao mundo sem muito pelo, quer dizer, sem muitas cascas. Como outros da nossa natureza chuvemos, fazemos sol e temos longas temporadas de seca ou muito frio.

Enquanto uns se apaixonam pelo ovo de colombo, a gema seria a grande idéia para outros. Teoremas e fórmulas, os bons discípulos são aqueles que não querem tomar o lugar do mestre. Assim foi com o homem da psicanálise. Sem peso na consciência o cachorro na esquina mija para marcar seu território.

Outro dia em um programa uma veterinária fazia heike em animais domésticos. Coitado do bichinho, está se tornando gente. O coração é cego, ele nada sabe do que foi ontem e do que será amanhã, ele está nesse presente. A razão são emoções de óculos, o grau nunca está certo.

[daquilo que parece longínquo]

Longe é um dia desses de não se ver mais. É mudar de canal no inverno quando o controle remoto está perdido embaixo dos cobertores. Mas mais longe mesmo é café não marcado. Café que não vai acontecer com pessoa sonhada.


Longe é ônibus que se perde quando se está atrasado. Mas mais longe mesmo é fim de relação. Quando se coloca o amor nas malas e se vai embora. Longe é notícia que se manda e não se tem resposta. Mas longe mesmo é filho que vai pra guerra e navio não trás ele de volta.

Longe é véspera de formatura, calendário que se conta dia após dia. Mas longe mesmo são noivos. Sabe-se lá quando os anéis vão sair do lado esquerdo para o lado direito. Longe é a casa da gente quando se está cansado da viagem. Mas mais longe mesmo é melhora de alguém quando vai para o hospital.

Longe é reforma de casa, piso pra colocar nos quartos, poeira pelos móveis. Gato e cachorro. nem eles mesmos sabem onde se instalar. Mas mais longe mesmo é acordar na madrugada, levantar, olhar para o espelho e treinar a frase perfeita para encantar

Longe é o paraíso. Longe é Passargada. O inferno também não é perto. O Haitti também é distante. Longe está o calor nesse outono. Mas o frio também não é perto da primavera. Longe é ter cede. Mas o copo também não está perto.

Mas longe mesmo é caminho no seu meio. Longe mesmo é quando os pés ainda não estão no coração e o olhar volta e meia pergunta para a razão, quanto tempo isso vai demorar para chegar?

domingo, 13 de março de 2011

[te_ar_te]

Lá vai o poeta com seu cozido. Cozinha as letras dentro do seu corpo até que fervam e saiam para o papel. Cozido que pode tratar do amor perdido, do trem que não existe mais, do riso, do corpo que fazia curvas, mesmo não tendo curvas que impressionassem mais ninguém.


Ele precisa respirar. Então, faz ar_te com olhos que não lhe olham, com bocas que não lhe beijam, com mãos que nunca lhe darão as mãos para um passeio. Mas também respira com querubins e se inspira nas fadas, se inspira em duende e respira com os anjos que trazem para seu coração um outro coração que agora é primavera.

Inspira e respira. Inspira e respira. Esse Te_ar que costura o ontem com o hoje, sem o compromisso que o amanhã esteja no calendário. Aí muito antes de qualquer tempo e muito além de qualquer instante conhece Dolores, Antônio, Lena, Titi e outros tantos personagens, uns que já estiveram e estão nessa vida, mas há aqueles que só passeiam pelos seus afazeres de poeta.

O poeta nunca desiste, mesmo triste ou feliz. Vai saber ele se as palavras se anunciarão como noiva ou meretriz?

[teia]

Já não tinha o corpo de sua meninice. Mas mesmo com a reprovação das colegas teimava em usar calças justas e tops que deixavam os seios sobressalentes. Pela manhã seu trabalho era varrer a calçada da frente da banca de revistas.


Achava o dono um sujeito meio porco. Mais honestamente achava-o um depravado. As revistas infantis do tipo Zé Carioca, Tio Patinhas, ficavam menos a vista que aquelas de mulheres nuas estampando suas partes intimas. Várias vezes tinha reclamado para ele e ele apenas balançava a cabeça tipo respondendo – faço o que posso, vendo o que querem.

Estava doente aquela manhã. Doente de ressaca. Bebeu com o mesmo cafajeste. Dançou e acabou na cama. Ele fez juras e às sete horas da manhã ela estava novamente com sua vassoura varrendo a calçada da banca de revista, obrigada a ver aquelas mulheres nuas que lhe davam ciúmes, tomando qualquer coisa para dor de cabeça que dilacerava sua solidão.

Passaram meses e quando não suportou mais e retornou a gafieira, o malandro tinha outra. Mas quando a viu entrar e lá de longe avistou a aranha que levava no braço. Não precisaram muito para estar novamente naquela teia.