segunda-feira, 29 de novembro de 2010

[água benta]

Tudo um mero pecado não levado a cabo. Sem demônios, mas afugentado os anjos, quem incitará o fato que não ocorreu, a dança que não trouxe a música, o piano que aguardou até a madrugada pelos bandolins.


Os sapatos causam incômodos, roupa apertada causa idéia de peso em excesso, comida sem condimentos é sem graça, cama é diferente de leito, poltrona não é o mesmo que sofá, quarto de um para dois é mais vasto. Parece um inferno a idéia de que no paraíso doçura não tenha excitação. A língua deve estar entre os dentes e sim no céu, da boca.

Vice e versa. Magoar-se, controlar o temperamento, exagerar no ciúme, possessivo ou possessão. Vice e versa. Os sacerdotes já não dão mais extremunsão . Quando chove o piso fica mais escorregadio. Mas temos escorregado mesmo em dias de sol. Uma cabeça dura não precisa de juízo, é uma sentença. Os erros quando são plurais tem uns que acham bonitinhos e singulares.

Passar o dedo nos lábios. Os lábios nos dedos. Nem ao sul e nem ao norte. Intimidade abre porta de geladeira. Mais intimidade abre a porta do quarto. Morder o canto da boca e perder o chão. Ser pateta, passear na mesma rua, fazer de conta que não esperou e ainda ler Kafka, mas sentir como se Neruda lhe carregasse para aqueles abraços. As amoras ficam mais coradas quando os olhos estão mais azuis.

Sempre a mesma missa. Nada de mais e nem de novo. Ou alguma coisa repentinamente cigana de não se movimentar, de estar estática até o seu próprio desaparecer. Como um não, um não poder, um não existir, um impróprio. Mas um não comportar insistente em insistir. Um desistir rezando para que tenha mais uma chance. A água já dormida acorda outros fantasmas. Banho gelado só mal e porcamente cura a ressaca.

Naquela noite colocou o pó do café e passou com a água benta roubada da igreja. Tolice, paixão avassaladora não tem compaixão.

[abre te sésamo]

Trouxe os colares, um jarro cor de abacate com alguns enfeites em laranja. A cama era um colchão doado e os outros pertences do apartamento pequeno também eram relíquias emprestadas: uma geladeira da marca Frigider, um fogão da vó da amiga, uma prateleira tipo móvel colonial, um santuário e outros objetos desse tipo.


Ouviam canções até a madrugada e dançavam apenas os dois. Cansavam de tanto filosofar e ela ia para o quarto, acendia um incenso e ficavam se acariciando, até ficarem tanto um dentro do outro como gatos siameses. Tomavam qualquer coisa pelo café e qualquer coisa no almoço e jantavam na pequena mesa de madeira, ora se olhando e ora olhando para aquele desenho grafitado na parede de dois anjos safados de óculos escuros.

Moços pensam em ganhar dinheiro para velhice e vivem como velhos . O sul não encontra o norte e a bussola dá em qualquer endereço. O que deveria ser compartilhado é dividido. O bêbado completamente são troca idéias com o normal que está completamente louco. Os anjos não tem mais o que fazer. Cupido diz a Deus que está na hora de se aposentar.

sábado, 27 de novembro de 2010

a voz silenciosa.

Os pés que andavam pelos corredores cautelosos. O barco ia levando aqueles sonhos. Pensamentos que se divertiam apenas em imaginar as ruas com seus sorrisos saudáveis. Iam pacienciosos. Nada mais de pressa, um sono de paciência e espera. Os que descansarão que descansem em paz.

Tudo que vai, volta. As visitas vão e voltam, a enfermeira vai e volta , a respiração vai e volta. Ele vai e volta.

Uma sexta-feira que lá fora, bem perto daqui tomavam boa cerveja gelada, bom beijo quente, boas risadas. Entendo só agora porque ela nunca conseguiu amar. Tinha se misturado com aquele ambiente sem brilho. Uma madeira tão bonita que nunca achou artesanato. Se rodeou de tudo que era duro, comprado, pra sempre e se assegurou que com aquilo seria forte. Sua vida para agora ficou tão frágil, que mal suportava o vento de um dia com amor e outro sem. Resolveu nunca mais amar alguém de verdade para não adoecer. É evidente que dia que outro por causa de tudo isso, foge para dentro de alguns comprimidos.

Escutou a voz silenciosa da porta dizendo boa noite: o sono não entrava. Mas e agora, será que quando voltassem para casa o pai seria metade do mesmo? Um pouco mais da metade não era pedir muito - comentou com o travesseiro esperando que Deus lhe ouvisse.

360 graus.






Tiravam outras poeiras. Sabiam que não poderiam voltar com o tempo que não se enxergaram. O afastamento por causa de uma escolha disso e daquilo, também é afastamento. Depois as coisas não se encaixam, mas a vida é mesmo assim. Podemos escolher o caminho, mas outros caminhos também nos escolhem. Os piores encontros são aqueles marcados por desencontros.

A vida vai ali e nos passa a perna. Saudade é inevitável, mas é só lembrança. E saudade que é dessas que doem não são como páginas de livro. Não se volta à folha para se entender novamente, não se bota no ponto para ver a cena mais tarde. Quando passou é passado. Quando se revela novamente no presente, é futuro do pretérito. As águas dela agora eram barragem para ele, em outros tempos, não foi assim.

Tirou o paletó, fez algumas anotações na agenda e marcou um café para janeiro em qualquer dia desses. Pensou que a vida poderia ser diferente, mas a vida é tem suas igualdades. Aquela semana não tinha sido fácil. Amigos que vieram da cidade onde viveu parte da sua infância, amigos novos que iam colocando uma bagagem aqui e outra ali, tomando um quarto aqui e outro ali, escrevendo outras lembranças.

Com o compasso fez um ângulo de 360 graus. Dentro do círculo escreveu vários nomes que foram se desenhando na sua memória. Sentiu-se Vênus naquele universo. Nada de mais, mas amado.