quarta-feira, 18 de agosto de 2010

]nudez[




O mundo vinha lhe tirando a roupa. Mesmo não querendo a cada dia que passava a sensação é que ele tinha muito menos, muito menos de quando iniciou. Tudo que o mundo não conseguia mesmo lhe levar era essa sua vontade compulsiva de pintar. A sua loucura. O seu drama. O seu cruzeiro, a sua encruzilhada. O mundo sabia que mesmo levando seus dedos nada disto teria um basta. Pintava mesmo com os olhos e quanto mais às coisas ficavam escuras, mais o ver da sua pintura ficava claro.

Colocava-se em pelo para ela. Para que soubesse das suas fragilidades, das suas monstruosidades, do seu forte. Do que é e do que não é.

Quando a luz já estava quase sem luz, se perguntava se ela saberia o que fazer? O que fazer com esse homem nu? Essa não reserva. Esse planeta marte-me. Esse Afeganistão pedindo paz. Essa África com fome de amor. Saberia ela o que fazer? Sabia que traria afeto. Traria a-feto e é tão necessário renascer. Seja no Brasil, na Jamaica, em Dakota ou em Madri, seja do lado daqui ou Dali, o fim sempre é o inicio do começo.

Antes essa nudez fosse um presente - refletia. Uma nudez que trouxesse sexo, dança, prazer, junção. Mas não é. Essa nudez hora apresentada estava carregada de passado, de coisas que foram e não voltaram, de passaportes sem permissão, de circos sem palhaço.

Mas se pensasse que esses dias foram de depressão estaria redondamente enganada e num piscar de olhos lá estaria ele novamente com seu grande capote negro. Algumas lágrimas, porque chorar é composição e não decomposição, mas não depressão. É evidente que saberia a diferença de uma coisa e de outra. Ela sempre se posicionou de forma tão inteligente, não seria logo agora o momento de sua cegueira.

Nessa sua nudez, uma natureza que resiste a toda essa roupagem, essas vestes, essas formalidades. Esse país de Alices, esses Sacerdotes com dotes. Por certo nunca desejou ser um sultão imbuído de se cobrir de riquezas, jóias e palácios. É mesmo um andarilho eufórico para poder caminhar em liberdade, sujar suas mãos nas cores do céu como tela. Um Andaluz em busca da sua dançarina. Da sua mulher dançarina. Da sua vida Dançarina. Do seu prazer dançarino.

É este cigano que sem vestes ele oferta para ela. Esse cigano amável. Soberano diante de seus próprios dissabores. Orgulhoso em suas queixas e oriental em suas gueixas. Um cigano que resiste ao presente porque não crê em passado. Esse cigano que canta para ela, canções nuas de amor.

]retrato I[




Eu e o Mário Quintana nascemos no mesmo estado e com o mesmo signo, ambos leoninos. Queria escrever tão bem quanto ele, mas me basta não o envergonhá-lo.

Nós leoninos temos essa mania de acreditar que podemos ser mais que outros, mas é só a maneira de que encontramos para que as calçadas que nossos amores passem sejam ladrilhadas com pedrinhas de brilhante.

Quando nos entregamos, quando nos pegam, então essa coisa é meio pra sempre, ou melhor, não é meio é por inteiro. Temos isso do fogo e do coração, da paixão que daqui um pouco apaga. Mas, não temos fração, divisão, nosso limite é esse ir. É esse fogo que se não apaga rapidamente, então queima eternamente, dentro de pequenos frascos cristalinos com pétalas quintanares..

Vamos vivendo um eterno turbilhão, uma multidão dentro de nós, adolescentes e virgens que correm para cá e para lá como loucos, com os pés mais nas estrelas que em qualquer lugar e sempre de pés descalços. Quando elegemos o lugar que vamos ficar, ele é o nosso lugar. É difícil de tirar de nossa morada, desse castelo e suas muralhas. Lá estão nossos cavaleiros, nossas heroínas, nossos anjos e nossos querubins, nossos lamas, nossos sioux. Abandoná-los é nos abandonar. Somos essa coisa que se olhar bem perto e sentir bem dentro não é um jogo, é um sobreviver.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

]indignação[




Um mundo totalmente hipnotizado pelo próprio umbigo. Cada qual na sua e todos em nenhuma. Há uma ilha, um tratado de Tordesilhas que diz – não se meta comigo, não fale comigo, tome conta do seu próprio nariz e ouça, há de ter cuidado até com os conhecidos.

Na churrasqueira de tantos quantos possa se contar assa-se revistas. Ninguém tem tempo para visitar ninguém e quem quer que virá.

Corre pelas ruas que o ter vale mais que o ser. Um individualismo que nos cega a ponto de não notarmos que os vizinhos do lado estão separados. Surpreendente, os vizinhos ao lado estão voltaram. O rapaz que apareceu entregando o jornal era mais pardo.

As coisas estão indo. Todas aquelas coisas que eram bonitas. A escolha de um namorado pelo amor, a escolha de uma profissão pelo amor, as escolhas por amor. O amor está indo. As pessoas se cansam com muita rapidez. O amor é oxigênio. Falta oxigênio em cada um e isso espirra no geral: falta amor em todo mundo. Faltam árvores dentro de nós.

Todos com medo de todos. Mesmo sem sermos seqüestrados, o seqüestro já está feito. O sol desponta pela janela, mas ninguém mais abre as janelas temendo as balas perdidas. Não damos mais conta, a conta passou dos limites. O que dizer para menina de 15 anos e o outro que em maio faz nove? Eles têm tantos sonhos, querem ir para o mar e abrir suas velas. Mas e o barco? Onde está o barco e a nossa ingenuidade tão singela? Como navegarão no mar?

Geograficamente estamos aqui, mas na verdade não sabemos qual é a nossa posição no mapa. Nem na mesa. Na roda. Nem mesmo na discussão. Foram tantas viagens e há tantas lembranças sobre a mesa. Mas o que realmente buscava continua perdido. As bandeiras aos frangalhos, os ensinamentos em farrapos, os lírios murchando. Acabou a água do vaso, mas as rosas não são as únicas que estão morrendo.

Se a luz dos olhos teus se apagarem vai restar o que? Essa luz que ascende quando vê um bebê nascendo, essa luz que se ascende quando vê um ato de misericórdia, essa luz que se ascende quando vê o menino fazendo teatro, essa luz que ascende quando vê os cachorros brincando, essa luz que ascende a minha pessoa, a minha primeira pessoa. Temos que encontrar nossa primeira pessoa, antes que a vida fique de terceira.

Só sei que o modelo robótico não é o que domina, porque mesmo o sol se indo logo, vem a lua e tudo está bem para o nosso bem. Os cavalos estão aí e devemos montá-los. Temos que parar de fazer fumaça que apenas polui. É preciso enviar sinais de paz.

Importa-me seu carinho, seu afeto, seu querer. Eu não vejo como alternativa pintar esse muro caiado de sombra, se o seu olhar insistir em chorar tristezas ao invés de felicidades. As alternativas diminuirão ainda mais, porque as alternativas não saõ geração espontânea. Fizemos um olho mágico para guardar nossa privacidade, não adiantou. Fizemos um porteiro 24 horas para resguardar nossa privacidade, não adiantou. Deixe que perguntem, invadam, constranjam. Deixe que virem do avesso, que comentem, se metam, que tirem as cortinas. Com certeza será uma tempestade de fogo. Uma carruagem de fogo. Não é bom rebocar o essencial. Se não tudo pode se transformar só em massa corrida.

]menina[



Ela se pôs a dizer versos. Versos pobres, mas de coração. Geremias olhou-a bem dentro dos olhos e se encabulou.

Geremias recordou que já fazia tempo que não admirava alguém bem dentro dos olhos. Arrepiou-se e corou.

Não pode deixar de ir folheando na sua mente, como essa vida levada sempre nas pressas transforma tantas coisas bonitas em bobagens: vira bobagem dar um abraço forte, vira hábito dar um beijo, vira comum tomar café da manhã, vira monótono ter que levar a namorada para ir ao cinema. Tudo vai virando hábito que logo aprendemos a confundi-lo com chato, e mais rapidamente pode se tornar o fim dos fins.

Em certa altura da conversa ela lhe chamou de moço bonito. Aquilo o pescou. Anzol na boca, lambari se debatendo. As mulheres pegam realmente os homens pela boca. Se a exclamação era verdade ou mentira, tinha uma singela expressão e as coisas quando são singelas normalmente são honestas. Mas, mesmo assim perguntou a ela se era verdade? Ela riu como quem se confessava. Já não precisava dizer mais nada. Estava respondido para ele – Era verdade.

Passou o dedo nas sobrancelhas exibindo um charme. É evidente que existe um monólogo instalado em nossas vidas, um eu a prosear comigo mesmo.

Temos algumas expressões viciadas. Quantas vezes teria repetido frases como meu bem, eu te adoro, você é a minha vida, como é bom estar com você, você me faz uma falta, nunca me esqueço de você, minha cara metade. Nunca se deu conta se aquilo estava saindo de dentro para a boca, se já tinha caído em uso comum, se era parte do dicionário vai prontinho assim.

Ela tinha apenas 10 anos e a sinaleira estava prestes a abrir. Geremias teria que avançar, pois a vida não pára. Tudo aquilo poderia ser só uma nova estratégia para amolecer seu coração e fazer com que sacasse uma moeda. Pois bem, ela venceu. Pegou a moeda e um pacote de Tostinnes e se tivesse um pouco mais de tempo talvez ainda tivesse feito um agrado em suas bochechas e lhe dado um beijo.

Enquanto sorria ia dizendo pra si mesmo que prestaria atenção nos bilhetinhos de agradecimento, ia perder mais tempo comprando bombons, ia perceber mais no batom que mudou ou o batom que não foi usado. No próximo bom dia para o vizinho ia esperar a resposta e ia confirmar a resposta. Ia querer saber como está aquele seu afiliado que nunca mais ligou e no ano que passou nem mesmo tinha levado se quer um presente de Dia Das Crianças. Em relação ao bebê dá amiga que tinha nascido e que tinha colocado várias outras coisas como mais importantes na frente, agora tinha se tornado uma prioridade.

Ele estava sensível e não queria deixar ela para trás. Provavelmente nunca mais iam se ver, mas ela continuaria ali enquanto ele pudesse ir fazendo diferente os dias que nunca são iguais.