sexta-feira, 24 de junho de 2011

[do que não vem]

Naquela noite ela não deixou o seu endereço, mas deixou uma marca no seu corpo. Nos outros dias pode sentir o perfume dela se derramando pelas calçadas. Viu aquela essência cítrica banhando os seus sonhos. Mas o mundo é tão vasto para um encontro casual.


Quis beijá-la, mas estava embriagada. Desejou por um momento só passar a mão em seus cabelos, mas trocaram apenas olhares e foi o olho dela no seu olho que propagaram confissões. Sabe-se lá se ela tentou – ela tentou. Sentaram-se frente a frente e por um instante ouviram o som romântico da locomotiva de trem avisando para que pudessem encostar seus sonhos um sobre o colo do outro. Mas o bilhete foi voando por aquele saguão tocado pelo vento que se perdeu.

É difícil saber do futuro. Ele não tem endereço certo. Hora mora na esquina, outras em estado de espírito tão distante. Bem como pode ser um país apenas imaginário, imaginado. O tempo é o correio do futuro e a memória cartão postal. Ele disfarça e quando percebemos o abandono. Uma matemática feita do que não vem.

Na despedida apenas uma oportunidade de um beijo mais marcante. Ela disse para ele vá com Deus. De volta ele ficou a esbravejar com Deus, porque ele lá do seu lugar não foi logo se metendo no assunto com sua voz celestial - Não minha menina, não é bem a minha companhia que ele quer é a sua. Deus também algumas vezes é tão educado.

[direi]

“Temos guardado um silêncio bastante parecido com a estupidez”




Direi que te amo e te direi tantas vezes que for necessário que te amo. Direi o quanto tua mão é quente na chuva e quanto a chuva não é fria quando tenho tua mão quente. Direi que me incomoda quando não me contas teus segredos. Direi da beleza dos teus seios. Seios que perambulam na camiseta transparente. Direi da rua que passei e que tomamos café como se fosse o último dos primeiros.

Direi que sofro quando sofres, que choro quando choras e que jogo barras de sabão no telhado para que essas lágrimas parem e teu olhar seja novamente arco-iris. Direi do por – do – sol, dos guardanapos com batom, do licor, das barras de chocolate, da boca suja de sorvete. Direi que é amargo viver sem o teu doce, que é sede viver sem teu liquido, que é verde viver sem teu maduro, que é vazio viver sem tua bagagem, que é ortografia viver sem tua letra.

Direi que teu perfume me faz sentir. Sentir o cheiro das romãs, dos morangos, dos maracujás, das maças, das amoras, dessa manga. Direi que não posso viver sem a tua boca para o beijo, para a prece, para o diálogo, para a canção, para a história contada sussurradamente dentro da orelha. Direi da tua língua que sorri para mim.

Direi tudo e todos dirão que sou estupido. Que não me darás atenção, arranjarás um compromisso, farás outros planos, o calendário será apenas cartão postal. Então olharei para ti e direi que sou estúpido, mas não guardarei em silêncio o que te direi. É melhor assim. Saber que sabes de mim.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

[safada]

Tinha um espírito safado. Os meninos sentiam seu cheiro e ela com perfume de capim limão, ainda colocava o sutiã mais apertado para que pudesse realçar os seios pequenos e prematuros.


Buscava o pão para o café da noite e entrava no pequeno mini-mercado rebolando os quadris dentro de uma calça vermelha muito justa ao corpo, deixando que sua inocência tomasse forma de uma mistura de ninfeta com demônios que angariavam almas para o inferno. Os homens a comiam pelos olhos e as mulheres também a comiam pelos olhos. Eles a amavam. Mais que ódio elas se arrependiam por aquilo que não teriam mais.

Mas sua virgindade estaria selada ali por muito tempo. Como carta que não encontra remetente, notícia de amor que não vem, como pneu furado em dia de casamento. Muito além do beijo, do sexo, do seu corpo se deitar, quando corria pela chuva se via que ela deixava os pingos lamberem a sua pele. Um jeito tão adornado e gracioso de se sentir penetrada que seria muito difícil que um homem pudesse lhe conferir aquele mesmo prazer.

Brincava com o cachorro na beira do portão e os dois sempre no cio e sem a menor castração se entendiam. Nunca casou e teve 5 filhos sem saber destino. Tempestade.

[substituto]

Deixou a roupa quase que fraterna das 12 horas de trabalho no varal. Antes deu uma boa lavada na camisa que ainda continha pingos de sangue. Foi ao banheiro e escovou os dentes, lavou o rosto e não eram ainda 7 horas quando deitou-se e dormiu.


O relógio não marcava 16 horas quando foi ver o que acontecia entre uma calçada e outra. Comprou alguns doces e deu para o menino que brincava na gangorra. Viu quando a mãe mandou o filho colocar os doces fora, mas não se abalou. Perto das 18 horas foi ao cinema e duas 2 horas mais tarde estava em casa.

Deixou dentro do armário o homem doce que era, pendurou o coração no cabide e os olhos colocou dentro da primeira gaveta. Banhou-se para tirar o perfume e separou as correspondências. As que eram para Petterssen ficavam sobre a mesa e as que eram para Linardi embaixo do colchão. Fez uma ou duas ligações. As que eram para Ana, a voz era rispida, as que eram para Margarida, a voz era melosa e apaixonada.

Na primeira página do jornal de domingo Petterssen inaugurava mais uma amostra de várias obras de arte com um contorno suave da anatomia feminina. Linardi leu aquilo e amassou a reportagem e a colocou para queimar junto a lareira. É impossível acabar não sendo do jeito que os outros acreditam que você é.