quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

[dama de espadas]

A praça de alimentação às cinco horas da tarde reúne os que estão indo ou os que estão voltando. Os que estão? Estão ocupados. Ocupados nos escritórios com seus relatórios, nas salas de aula com a matéria de aritmética. Outros e outras apenas lavando a roupa e a estendo na janela, ainda com as manchas de maracujá.


Eles pediram dois expressos. Um mais amargo e outro açucarado. O negro de olhos castanhos esverdeados ficou com o doce e a moça com cabelos de trigo e lábios de vinho puxou para o seu lado o café mais forte e mais viscoso.

Ela deu algumas ordens aqui e outras ali. Disse que deveria melhorar seu comportamento com as clientes e paginou algumas fotos de uma revista. Ao longe a impressão que dava era de estar mostrando a ele roupas que condiziam mais com a situação. O riso dele era nervoso e fez menção de pagar a conta, mas ela não deixou. Mais do que depressa retirou algumas notas de uma carteira tipo imitação Chanel e com um ar de poder e humilhação alcançou o que devia para o garçom.

Ele saiu e mais ou menos quinze minutos um homem branco de olhos castanhos escuro e corpulento se sentou na mesma cadeira do negro. A mesma cena se repetiu. No intervalo de 1 hora alguns outros homens tiveram o mesmo destino. Ela beijou todos eles com seu batom vermelho e sua boca carnuda. Eles pertenciam a ela, dama de espadas.

[bolachas no café]

O meu amor vinha devagarinho. Escondia-se, se perguntava, se debruçava sobre o muro. Berlim, Barcelona, Brasil. O meu amor jogava capoeira, sorria, se ia e se voltava. Sentia multidão, sentia-se isolado. O meu amor se enamorava por João Gilberto, mas era a nudez dos atabaques que o deixava claro.


O meu amor tinha deixado suas fronteiras no aeroporto, suas malas pelo céu, suas terras nos bilhetes que guardou. Mesmo voando, algumas vezes suas asas vez em quando se sentiam paralisadas. O meu amor queria ir, mas o amor insistia em ficar. O meu amor dormiu para ver se sonhava com outro amor. Bolachas, manteiga e mel. Nem tudo tão doce, mas nem tão amargo.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

[um Q]

Iam ali de asa delta. Um corpo ao lado do outro e lá embaixo a selva. No horizonte o mar onde deviam pousar. Fizeram aquele vôo para colocar as diferenças em dia. Já que ele não desejava dialogar com ela após o sexo e ela não desejava dialogar com ele enquanto lia o jornal no café da manhã. Então, acertaram assim.


Totalmente diferentes, mas completamente iguais. Tipo dois bicudos tentando se beijar. Uma dessas relações modernas. Um tipo de feijoada com gosto de mocotó. Samba Rock. Umas vezes mais preto do que no branco. Outras vezes mais Rock do que samba. Dava um amor, um humor e outras horas tudo dava mesmo em alguns pratos quebrados e caras torcidas por semanas.

Lá em cima começaram com a pia que ele não se dava o trabalho de chamar o entupidor, diga lá se ia meter a mão na graxa. Também não deixou por menos. Estupidamente foi falando dos amigos dela que iam fazer um som e enquanto não tomavam tudo que existia em álcool, a noite permanecia uma criança.

A asa delta pendia para um lado e um deles se aproximava mais do outro e até pensavam em se beijar e parar com aquela bobagem. Mas a quebra de braço tinha sido acertada que só terminaria quando chegassem na areia. Passaram em revista as saias mais justas, o futebolzinho, o cinema, a festa a fantasia, o natal, o ano novo que não saiu no Rio e a perciana é claro que os acordava todas as manhãs porque tinha que ficar aberta. Ela deu os primeiros passos na areia escaldante e quando os dela tocaram ouviu os seus gemidos. Depois também viu umas lágrimas escorrerem do seu rosto e quando finalmente estavam em areia firme rapidamente ele desmontou tudo pegou ela no colo e correu até o mar. Naquele sábado a noite não saíram para dançar, ficaram namorando, enquanto os pés dela estavam mergulhados dentro da água quente.

[xá]

Chá de limão para gripe. Chá de alcachofra trata insuficiência renal. Chá de camomila, acalma, é bom para adolescentes pensarem mais nos estudos e menos na testosterona. Chá de sucupira para artrite e artrose. Chá de bebe para quem quer nascer, chá de panela para quem quer casar. 600 ml de água e um gengibre inteiro pequeno, e a mesma quantidade de açúcar, cravo e canela, chá de gengibre é ótimo para a garganta, enjôos e náuseas. Chá de boldo. Chá de hibiscus pra secar a barriga. Chá_veco na menina bonita, chá de banco pra o rapaz que não se enxerga.

Milani olha para mãe e pergunta que tipo de Chá é aquele que está aparecendo na televisão? A mãe pensa um pouco e responde para a menina - É um tipo de Xá que é casado com muitas mulheres, sem algumas vezes nunca tocá-las e nem elas tocarem ele ou saberem o sabor depois dele aquecido. Mas em contrapartida, dor de cabeça com as contas pra pagar ninguém tem, o que já é um santo remédio.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

[Yemanjá]

A água está no nosso corpo, como a água está em tudo que está vivo. A água é vida. Yemanjá tornou seu reino as águas do mar, então o que não tinha brilho e cor, passou a ser prata e azul. Tudo está em Yemanjá: sereias, mariscos, cavalos marinhos, golfinhos, estrelas-do-mar, peixes, o jundiá, madrepérolas, conchas. A água que vai forte e vem fraca, a vida que vai forte e vem fraca. A água que vai fraca e vem forte, a vida que vem fraca e vai forte. Yemanjá é a combinação de mansidão e força. De que não são só os exércitos é que vencem, mas que a graciosidade e a beleza também são uma grande espada.


Todos os Orixás tinham uma missão determinada por Olorum, a missão de Yemanjá era de cuidar de Oxalá. Yemanjá queria um posto na terra, um grau que lhe conferisse oferendas e homenagens como todos os outros Orixás. Yemanjá não queria só cuidar da casa de Oxalá. Tanto foi o falatório de Yemanjá que ele a encarregou de cuidar do Ori de todos os mortais. Desde então é conhecida como à senhora de todas as cabeças. São grandes as oferendas para Yemanjá, não se deve entrar no Mar sem que ela seja saudada. Seu Ebó leva canjica branca com merengue e arroz de leite e todas as coisas belas que se possa homenageá-la. Yemanjá é apaixonada pela graciosidade. Flores para Yemanjá. Hortênsias, rosas ou palmas azuis.

Se Exu é o poder da comunicação e Xangô o império da Lei, Yemanjá é o amor que se tem pelo outro.

Naquela tarde quando o sol estava à beira de abandonar as pastagens para Oxu, a lua, Olorum convocou todos os Orixás e falou-lhes:

Os homens devem ter respeito a Olorum, os homens devem ter admiração a Olorum, os homens devem obediência a Olorum, os homens devem querer Olorum sobre todas as coisas, mas acima de tudo os homens devem amar Olorum. Olorum quer que os homens o amem aconteça o que acontecer.

Xangô sempre briguento já foi dizendo que para os homens amarem Olorum teria que levar ao conhecimento de todos que se não procedessem assim suas pastagens pegariam fogo. Não adiantaria os homens perderem suas pastagens para que amassem Olorum, assim só teriam medo, falou Oxalá. Então Exu disse que os homens e mulheres que não amassem Olorum deveriam perder o falar e o escutar. Desta forma, passariam a ter que perceber todas as criações de Olorum. Uma idéia interessante, disse Nanã que, comanda a sabedoria dos mais velhos. Mas, indagou, não pode ocorrer o dia em que não haja mais ninguém falando da natureza iluminada de Olorum? Aquilo se seguiu por dias, cada Orixá dando a sua opinião e outro contradizendo. Até que chegou aos ouvidos da Mãe das Águas do mar. Diante de todos Yemanjá disse que homem e mulher deveriam poder viver em pares. Ossanha logo foi perguntando que tipo de magia era a que ela desejava? E Yemanjá não perdeu a sua beleza, logo foi respondendo:

- Que os mortais amando-se, nesse amor, profundo, mas finito, com a intensidade do fogo que tudo faz arder, do ar que tudo faz conhecer, da água que tudo lava e banha, da terra que a tudo da forma, possam sentindo esse esplendor apreender a amar Olorum. Porque isso também é da essência de Olorum.

Olorum em sua magnitude sentenciou:

“Desde hoje e para o sempre, homem e mulher, poderão se amar e amando-se poderão aprender e a desfrutar nesse amor, o amor de Olorum”.

Omi trará em suas ondas notícias de como está sendo o comportamento de homens e mulheres. Encarrego Omi também dos encontros e desencontros causados por esse novo tipo de amor e ainda responsabilizo-te pela solidão e pelos solitários. Por aqueles que procurando se perdem, por aqueles que se perdem por tanto procurar, por aqueles que se fazem estáticos desesperançados de nada encontrar.

Nesse tempo e nesse agora te concedo a honra de ser a Senhora das Cabeças e também a Senhora dos Corações, Senhora da Natureza Humana, dona da confiança, do companheirismo, da capacidade de perdoar as pequenas falhas humanas e junto com Oxum também reinará sobre tudo que é belo, tudo que é doce, sentimental e da maternidade, por isso também pertencendo ao teu reino o poder da fecundidade.