quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

[Ora...Iê-Iê-Io]

Ora...Iê-Iê-Io

Então, nos primórdios dos tempos quando Orixás e humanos conviviam juntos no Orum, tudo era uma só dança. A dança do amor - A dança de Oxum. Oxum e Yemanjá são os Orixás mais belos. Algumas lendas dizem que Oxum é filha de Yemanjá com Orunmiláia. Uma lenda que pode nos explicar que Oxum herdou de sua mãe a beleza, a fecundidade, a meia lua, as conchas do rio e do mar.

Oxum no seu quarto e suas vaidades. Oxum aprecia sua beleza olhando em seus espelhos feitos de conchas polidas. Oxum admira seus seios em formato de montes, admira suas curvas desenhadas como de uma frondosa árvore, admira seu sexo que tem o calor e a luz do sol. Oxum está em oração, porque ao se admirar, faz uma oração de si mesmo.

Ela é doce. Ora-iê-iê-io. Servi-se de canjica amarela, polenta, ou farinha de milho com mel. Agrada-se de lírios, rosas amarelas, flor de laranjeira, até mesmo margaridas. Oxum ama o que brilha, o dourado, aquilo que os olhos enxergam e se sentem atraídos. Ora-iê-iê-io.

Olorum que em certos dias que são noites e em certas noites que são dia escuta mudo, fez sua voz levantar-se sobre o que é nada e aquilo que é tudo e impôs silêncio:

- Do que tanto se enfrentam? Do que temem? Porque guardam tantos caprichos? O que mais podem desejar que não encontrem em Olorum?

Todos os Orixás ficaram boquiabertos, pois Olorum não alterava a voz. A verdade é que Olorum não tinha alterado a sua voz, era o coração dos Orixás que então tinham se posto a escutar e anteriormente com tanto barulho todos aparentavam falar muito baixo, mesmo em altos berros.

Os Orixás reclamavam de Oxum, que ela passava todo tempo apurando sua beleza, que não saía do rio cuidando de sua pele, a lavar os seus cabelos, a transformar pedras brutas em maravilhosos otás.

Olorum voltou-se para Oxum e pediu para que se se pronuncia.

Oxum então pronunciou-se:

Grande Olorum o meu amor pela beleza não é um capricho. Descobrindo-me, posso descobrir o belo que há em todas as coisas. Quando me penteio, perfumo-me ou transformo o bruto em arte é bondade. Confesso que creio que Olorum deseja que sua criação permaneça tão bela como originalmente nos fez. Sempre atrás da fartura e da abundância esquecem que Olorum dotou cada um de grande tesouro interior.

Oxum era linda e era bondosa. Com as contas que cobriam seu rosto, que só era podido ver quando voavam com o vento, daí então apresentava-se toda a sua formosura. Ela se enchia de graça ao prazer de um amor que fora fecundado de dentro para fora.

Neste momento Olorum sentenciou:

Trazes a beleza naturalmente dentro de ti. Proporcionarei então que olhes por isso. Que o belo seja sempre uma magia, um encantamento, um sonhar. Que o belo nunca tenha certeza, prontidão, exatidão, assim sendo ninguém poderá também ter a certeza, a prontidão e a exatidão do que é feio. E é sobre isso que rezará o teu tesouro, a tua fecundidade, o teu doce e o teu mel. Aquele que se descobrir sem medo, sem receio e sem inveja, verá a abundância no seu caminho. Aquele que olhar no espelho de Oxum com verdade então viverá o prazer do amor. Também te consentirei o ventre que está em gestação, o menino e a menina, a semente, porque te concederei proteger tudo que deseja dar luz. Porque luz é a minha matéria mais pura de beleza.

Em homengem a mãe Oxum. Orixá que governará 2011.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

[anjos]

Estavam todos naquela roda de capoeira. Não se distinguia meninos, homens, meninas ou mulheres. A cidade estava aos seus pés e eles dançavam suas acrobacias que se misturavam a sua luta e nas suas canções chamavam seus orixás. Ninguém rezava, não existia um Deus senhor de todas as coisas e a felicidade estava no sorriso. Uma riqueza de todos. De todos porque não tinha como se buscar lá fora, vinha lá de dentro.


Os mestres eram mestres porque continham magia e os discípulos eram discípulos porque queriam conter a magia. É preciso aprender a jogar com a magia. Magia por magia é sedução e sedução é feitiçaria. O carinho pode ser maior que esse mundo. Quando o carinho é maior que esse mundo a língua falada é a língua do amor.

Tinha a menina gordinha, tinha aquele muito pequeno que talvez não tenha crescido por falta do alimento correto, tinha aquele outro cheio de charme e ainda eles davam mortais mostrando sua imortalidade luminosa. E mais surpreendente foi quando o anjo que não falava, oriundo do mundo dos autistas se confundia com os outros anjos. Não há estranhos na natureza do bem. Há olhos com portas abertas. São os olhos sem comunhão que fecham as portas.

No convite, o local do BATISMO era o Morro da Cruz, dia 04 de agosto de 2008, às 15 horas. Com certeza o paraíso pode ter tantas e quantas denominações desejarmos. Quando entregamos o mundo para os ANJOS, logo eles vão dando um jeito de fazer ARTE na vida.

[ao leite]

O chocolate é como o amor, estimula o hipotálamo, induzindo sensações prazerosas e elevando o nível de serotonina. Mas não é apenas isso, o chocolate é como o amor, porque no verão fica mais derretido e no inverno os dentes mais frágeis se acovardam em mordê-lo.
As amadas passam na rua sorridente, os homens mal amados nunca passam do segundo copo sem se embriagarem. Mulheres a noite, quando a cama de casal mesmo confortável , fica desconfortável, vão na cozinha e na segunda prateleira se encontram com seu amor secreto. Os homens solitários sempre têm bombons para oferecerem. Seu amor é como gangorra em praça, um brinquedo que só tem graça quando feito a dois.
Quando inicia, taças de vinho derramadas mancham o tapete branco da sala. Quando acaba, o sol se despede da lua, o doce agora se transforma em despedida. Os grãos de cacau torrados sem adição de leite. O amargo de ir embora. O amargo sem passaporte. Há o amor amargo, sem adição de carinhos e fragmentos que se espalham pelo espelho de desconhecidos. O amor pode ser uma barra de chocolate amargo.
Um amor recheado de sonhos. Um amor que se inicia ali na varanda e vai até nós dois de mãos dadas e bem velhinhos. Um amor que surpreenda, que leia poemas para dormir, que faça o café para amanhecer. Um amor lindo de jeans, um amor lindo de prataporter, um amor de linho. Um amor que converse sobre ter filhos, sobre os filhos, sobre não ter filhos. Um amor que tenha sexo, mas tenha diálogo. Que tenha religião, fé um no outro. Chocolate por dentro com amêndoa ou avelã, cereja ou amoras, morango ou frutas silvestres, licores. Um amor com recheio : venha e me faça feliz, venha e te farei feliz.
A couverture é o chocolate rico em manteiga de cacau, utilizados pelos profissionais chocolateiros. Gueixa são mulheres que estudam a tradição milenar da arte da sedução, dança e canto. As estrelas como lençol e a rede. Os bibs e aquele instante silencioso eterno após o primeiro beijo. Abra a janela ao invés de acender a luz. Veja ao invés de fotografar. Coloque os pés na grama e descanse os sapatos. O que vai para a escola é a mente e não o coração.
Tabletes, gotas e barras. Um amor ao leite que seja deleite. Convencional e até mesmo tão igual a tantos iguais. Até marcado com o gosto do hábito, mas com o deleite de ver que irá viajar, mas me levará no cheiro de suas roupas. Deleite de passar os dedos nos lábios e os lábios em deleite guardará os dedos no céu – da boca. Deleite pelo amor confesso no cotidiano de fazer planos. Planos de quem lavará a louça do jantar, de quem fará o café e a salada, de quem deixará as crianças no colégio, do apartamento para poderem casar sem papel passado, da conta de água e da de luz, da escova de dente, das toalhas xadrezes ou lisas. Deleite e ao leite do amor que sofre barras, gotas de lágrimas e algumas vezes quase se esfrangalha em tabletes, mas como num milagre o que era dor, basta um abraço forte, verdadeiro, carinhoso e para o amor mais uma vez ser amor.
A páscoa e suas cestas que são ninhos recheados de amor com chocolate ou chocolate com amor. Margarita disse enquanto tomava café que os coelhos são cupidos. Ainda existe gente que se apaixona.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

[aniversário]

Quase chego tarde para festa. Uma bebida? Aceito. Veja-me um café bem forte ou um chimarrão. A cerveja você bebe que eu aprecio. Mil folhas, festa sem mil folhas é aniversário de criança. Música? Hoje, mas apenas hoje, me permitirei a ouvir Zeca Baleiro. Vou ficar bem quietinho para que possas filosofar o quanto desejares. Depois damos uma volta de bicicleta para que Sócrates não deixe seus fantasmas na piscina.


Sonho? Parabéns e muitas felicidades.

[altar]

Queria se casar com ela. Usar a mesma pasta de dente, dividir a escova, secar-se na mesma toalha. Queria partir com ela para a mesma casa. Ouvir seus sonhos, dormir com seus pesadelos e pela manhã, vê-la maquiando os olhos que escolheu para amar.


O vento tem composto a vida dele de ausência. A cama era só cama dele, a casa grande era solitária e as viagens ele compartilhava com as aeromoças, trocava idéias com os recepcionistas de hotéis e a pele era uma rosa desfolhada. Não se embriagava, mas seria melhor. Não contratava prostitutas, mas seria melhor. Não se lamentava, mas seria melhor.

Naquele dia em que eles se encontraram, ela não levou nada daquilo muito a sério. A primeira impressão que teve dele foi de um homem muito disputado, um sucesso nas palavras e um doce que poderia ser dela, mas estaria sempre no balcão da padaria para quem mais desejasse. Não deveria se iludir com esses pequenos galanteios, não que os dele fossem do tipo encomendados ou frases prontas, muito pelo contrário, eram originais e lhe faziam sentir calor. Mas esse calor já tinha lhe dado, numa idade pouco mais que adolescente, um filho lindo. Agora era mulher e mais que uma paixão imensa, uma música na memória, um canto de recordação e velas, e declarações, merecia não ser mais dilacerada.

Entregou a vida para os arredores de Oxum. Andou em guerra com a justiça de Xango e brigou com os mares de Yemanjá. Cravou a espada de Yansã em seu coração para impressionar os deuses. Roubou o cavalo de Ogum para galopar dentro dos sonhos dela.

Naquele sábado de sol que está com a razão e que queima nossos males que nem se sabe onde se apronta, ele se apaixonava com crianças entre 8 a 10 anos, ensinando elas a plantarem essas coisas tipo alface, temperinho verde ou outras plantas medicinais, destas que tem substâncias terapêuticas como a abobora, agrião, alecrim. Ela veio de lá e encostou seu corpo bem juntinho do dele naquele altar. Momentaneamente ele se assustou, mas em seguida deixou que o calor tomasse conta do frio. Ela lhe disse que nunca tinha lhe falado que gostava de crianças. Ele lhe respondeu que ela nunca tinha lhe dado oportunidade.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

[água benta]

Tudo um mero pecado não levado a cabo. Sem demônios, mas afugentado os anjos, quem incitará o fato que não ocorreu, a dança que não trouxe a música, o piano que aguardou até a madrugada pelos bandolins.


Os sapatos causam incômodos, roupa apertada causa idéia de peso em excesso, comida sem condimentos é sem graça, cama é diferente de leito, poltrona não é o mesmo que sofá, quarto de um para dois é mais vasto. Parece um inferno a idéia de que no paraíso doçura não tenha excitação. A língua deve estar entre os dentes e sim no céu, da boca.

Vice e versa. Magoar-se, controlar o temperamento, exagerar no ciúme, possessivo ou possessão. Vice e versa. Os sacerdotes já não dão mais extremunsão . Quando chove o piso fica mais escorregadio. Mas temos escorregado mesmo em dias de sol. Uma cabeça dura não precisa de juízo, é uma sentença. Os erros quando são plurais tem uns que acham bonitinhos e singulares.

Passar o dedo nos lábios. Os lábios nos dedos. Nem ao sul e nem ao norte. Intimidade abre porta de geladeira. Mais intimidade abre a porta do quarto. Morder o canto da boca e perder o chão. Ser pateta, passear na mesma rua, fazer de conta que não esperou e ainda ler Kafka, mas sentir como se Neruda lhe carregasse para aqueles abraços. As amoras ficam mais coradas quando os olhos estão mais azuis.

Sempre a mesma missa. Nada de mais e nem de novo. Ou alguma coisa repentinamente cigana de não se movimentar, de estar estática até o seu próprio desaparecer. Como um não, um não poder, um não existir, um impróprio. Mas um não comportar insistente em insistir. Um desistir rezando para que tenha mais uma chance. A água já dormida acorda outros fantasmas. Banho gelado só mal e porcamente cura a ressaca.

Naquela noite colocou o pó do café e passou com a água benta roubada da igreja. Tolice, paixão avassaladora não tem compaixão.

[abre te sésamo]

Trouxe os colares, um jarro cor de abacate com alguns enfeites em laranja. A cama era um colchão doado e os outros pertences do apartamento pequeno também eram relíquias emprestadas: uma geladeira da marca Frigider, um fogão da vó da amiga, uma prateleira tipo móvel colonial, um santuário e outros objetos desse tipo.


Ouviam canções até a madrugada e dançavam apenas os dois. Cansavam de tanto filosofar e ela ia para o quarto, acendia um incenso e ficavam se acariciando, até ficarem tanto um dentro do outro como gatos siameses. Tomavam qualquer coisa pelo café e qualquer coisa no almoço e jantavam na pequena mesa de madeira, ora se olhando e ora olhando para aquele desenho grafitado na parede de dois anjos safados de óculos escuros.

Moços pensam em ganhar dinheiro para velhice e vivem como velhos . O sul não encontra o norte e a bussola dá em qualquer endereço. O que deveria ser compartilhado é dividido. O bêbado completamente são troca idéias com o normal que está completamente louco. Os anjos não tem mais o que fazer. Cupido diz a Deus que está na hora de se aposentar.

sábado, 27 de novembro de 2010

a voz silenciosa.

Os pés que andavam pelos corredores cautelosos. O barco ia levando aqueles sonhos. Pensamentos que se divertiam apenas em imaginar as ruas com seus sorrisos saudáveis. Iam pacienciosos. Nada mais de pressa, um sono de paciência e espera. Os que descansarão que descansem em paz.

Tudo que vai, volta. As visitas vão e voltam, a enfermeira vai e volta , a respiração vai e volta. Ele vai e volta.

Uma sexta-feira que lá fora, bem perto daqui tomavam boa cerveja gelada, bom beijo quente, boas risadas. Entendo só agora porque ela nunca conseguiu amar. Tinha se misturado com aquele ambiente sem brilho. Uma madeira tão bonita que nunca achou artesanato. Se rodeou de tudo que era duro, comprado, pra sempre e se assegurou que com aquilo seria forte. Sua vida para agora ficou tão frágil, que mal suportava o vento de um dia com amor e outro sem. Resolveu nunca mais amar alguém de verdade para não adoecer. É evidente que dia que outro por causa de tudo isso, foge para dentro de alguns comprimidos.

Escutou a voz silenciosa da porta dizendo boa noite: o sono não entrava. Mas e agora, será que quando voltassem para casa o pai seria metade do mesmo? Um pouco mais da metade não era pedir muito - comentou com o travesseiro esperando que Deus lhe ouvisse.

360 graus.






Tiravam outras poeiras. Sabiam que não poderiam voltar com o tempo que não se enxergaram. O afastamento por causa de uma escolha disso e daquilo, também é afastamento. Depois as coisas não se encaixam, mas a vida é mesmo assim. Podemos escolher o caminho, mas outros caminhos também nos escolhem. Os piores encontros são aqueles marcados por desencontros.

A vida vai ali e nos passa a perna. Saudade é inevitável, mas é só lembrança. E saudade que é dessas que doem não são como páginas de livro. Não se volta à folha para se entender novamente, não se bota no ponto para ver a cena mais tarde. Quando passou é passado. Quando se revela novamente no presente, é futuro do pretérito. As águas dela agora eram barragem para ele, em outros tempos, não foi assim.

Tirou o paletó, fez algumas anotações na agenda e marcou um café para janeiro em qualquer dia desses. Pensou que a vida poderia ser diferente, mas a vida é tem suas igualdades. Aquela semana não tinha sido fácil. Amigos que vieram da cidade onde viveu parte da sua infância, amigos novos que iam colocando uma bagagem aqui e outra ali, tomando um quarto aqui e outro ali, escrevendo outras lembranças.

Com o compasso fez um ângulo de 360 graus. Dentro do círculo escreveu vários nomes que foram se desenhando na sua memória. Sentiu-se Vênus naquele universo. Nada de mais, mas amado.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

"passarinho na gaiola não ama"





A palavra amor antecede a palavra - platônico. Sendo assim, antes de nos


perguntarmos sobre o Platônico deveríamos querer saber o que vem a ser o amor.

Passaríamos divagando e divagando, ferindo aqui, tirando lasca dali e permaneceríamos descontentes com nossas teses. Desta forma é bom ficar com a idéia de uma velha senhora que trabalhou em casa: - amor é quando a gente gosta e quanto mais nos faz bem, mais é amor e se nos faz mal, não é amor.

Vendo assim a grande gaiola do Amor Platônico não é saber se é ou não amor, pois ele é amor. A gaiola é que dá uma tremenda solidão, uma tremenda tristeza. É uma tremenda amargura. É uma tremenda perda de tempo. Tudo é tremendamente vazio.

"rios"



Os rios, os nossos rios estão estressados. Esses que correm fora de nós e esses que correm dentro de nós. A pergunta é que curso estamos tomando? E já não temos resposta para isso.

Temos que achar as planícies de decantação.




Sander Machado e Bledow.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

"esconderijo"




Era um gosto de sal na boca. Boca que não vinha do mar, que não era da noite. O olhar perdido da sereia. Sereia que não tinha história e montado no cavalo marinho cavalgava para nenhum lugar a procura de algo que as lentes dos óculos por mais garrafais não lhe ajudavam em nada. Descobrir que o mapa pode estar errado também é cartografia. A lagartixa fica exatamente igual às superfícies que ela transita. Os olhos quando não encontram o que desejam ficam com a cor do desencontro. Uma tonalidade tipo gelo. É muito arriscado que esse gelo se encarregue das perguntas da alma, uma alma gelada faz perguntas, mas as respostas entram por um ouvido e saem pelo outro.

Metido em suas fantasias essa era só outra lâmpada que em seguida ia se apagar. Mais alguma coisa paralela, alguma caneca de café de inverno, um pequeno papel que se estendia e era lençol de mais uma noite que as estrelas não saíram e a barragem deu vazão para a chuva. Um ponto de fuga ou ponto príncipe, um teatro. A dança sem bailarina combinava com a gramática que escreve correto, mas não faz a palavra certa ser o verso.

Sabe-se lá o que acontece em outro horizonte? O que os japoneses ficam pensando quando os ocidentais romanticamente comem sushi. Sabe-se lá da roupa que andará na festa sem nada para comemorar? Do corpo ausente que está presente. Sabe-se lá porque alguns escrevem e outros choram? Ou porque alguns choram daquilo que alguns escrevem? O relógio de algumas coisas tem o ponteiro universal e telepatia não é confissão.

Confissão senta-se à mesa, fica sem jeito, algumas pedem mais uma dose e outras se mantêm sóbrias e serenas. Confissão joga tudo pra cima, usa pseudônimo e numa altura do campeonato descobre que só se ganha ou se perde o jogo quando o dedo aperta a campainha. Confissão se tortura no desejo e quando o desejo já é tortura bate com a língua nos dentes.

A pipa do menino multicor a voar pelo céu. Os pensamentos são como pipa, nem sempre multicor, mas se faz belas fotografias em preto e branco. Antes de guardar na memória, os pensamentos podem estar nos lábios. A tantos pensamentos que andam nesse mundo de Deus e tinham tudo para se beijar, mas pronto, outro pensamento mais forte, tipo isso não vai dar em nada, colocou tudo a perder. Os pensamentos frágeis são delicados. É muito mais que se exceder no perfume, é quebrar o frasco. Não há como colar aromas, como não há como colar pensamentos. Espatifados... Espatifados.

Os dois ladrões, o da esquerda dos sentimentos e o da direita do juízo brigavam entre si e honestamente, o pedido é que ficou perdido no compasso da espera. Se não há mais o que dizer talvez um silêncio seja a palavra. O silêncio não tem endereço, ao mesmo tempo em que é carta, é imagem surda que escorre água, mas não dá de beber.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

]pérolas[








A formação das pérolas se dá a partir do contato de algum material estranho que invade o seu organismo. O amor tem se dado assim dentro de nós.


Quando nos damos por conta aquele grão de areia se põe a nos incomodar. Um incomodar cheio de prazer. De bobagens que vão saindo pela boca como as mais verdadeiras declarações. Bobagens que nos tornam frágeis, vulneráveis, sedentos de uma bebida que só aquele outro, nenhum outro, saciará a nossa sede. Porque o prazer num corpo em solidão ao iniciar é o abismal.

Mesmo que a luz se apague aquela claridade vai ficando ali, mesmo que os olhos se entreguem para essa morte temporária que é o sono, o sonho mantém esse universo encantado ali. Mesmo que Descartes diga que não, o sentir vai se instalando ali.

A pérola vai se formando. Aquela riqueza que é construída de muita sutileza, de uma beleza visível e invisível, de portas que falam e de outras que se calam. Uma hortelã, um chocolate quente, um café e uma janta. Uma janta muito simples de verduras, um pão muito singular como o árabe, um beijo muito doce. Ainda não haveria de ter o sexo, só à forma mais primitiva de prazer que é proteger e se sentir protegido.

Não era necessário nenhum enfeite, porque se fazia no sorriso, no gracejo, no pequeno dedo que caminha sobre os lábios. Queremos tantas confissões. Quando as confissões nunca se abrandam. Ficam brincando como luzes de farol num fazer e desfazer. Deveríamos querer menos, assim quem sabe teríamos tempo para perceber mais. Angustia-me ver muito pouco com olhos tão perfeitos. Talvez seja uma angústia coletiva. Seja a tua também e dos outros que virão para nos suceder. É necessária urgentemente uma alfabetização para o olhar.

As pérolas de melhor qualidade encontram-se no Golfo Pérsico, na Índia e Sri Lanka, na Austrália e na América Central e as pérolas cultivadas são produzidas em larga escala no Japão. Mas desta pérola que falo, nasce quando o chocolate vai de uma boca até a outra, quando é possível que os cobertores caiam e mesmo assim o calor permaneça. Essa pérola que me refiro é a que se inscreve no corpo, nos corpos. Na felicidade que pode ser produzida em nós apenas produzindo felicidade no outro. Não requer mais explicação da pérola que me refiro, mas insisto que essa pérola não se torna cara pela sua qualidade, mas pelos enormes sacrifícios que são infligidos entre o caminho que há em se ir abandonando o medo para se viver à veracidade do contido.

A pérola pode ser usada em "poções" do amor e os séculos trarão para o presente o passado que estava dormindo. Porque nada na pérola ficará vulgar. A inocência protege a pureza e não é o que se faz que nos torna prosaicos, mas sim o agir sem natureza.

Creme, dourada, verde, azul e negra.

Nada mais naquela pele. Tudo naquela cor que se despreguiçava. Naquela mala que tantas vezes foi feita e desfeita. Naquele dia que namoraram e que mais uma vez namoraram e que quando pensavam ter cansado de namorar é que eles podiam ver o quanto suas pérolas se enamoravam.

A tarde ia derrubando gotas de orvalho nas costas das folhas. Tinha alguma canção. Minto, nesta altura eles eram a canção.

]rios[




Os rios, os nossos rios estão estressados. Esses que correm fora de nós e esses que correm dentro de nós. A pergunta é que curso estamos tomando? E já não temos resposta para isso.

Temos que achar as planícies de decantação.


Sander Machado e Bledow.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

]corpo de caneta[






Quando menos esperava tocava nela. Trazia seu corpo para junto de seus dedos. Fina, desenhada, elegante, séria até que acariciada.

Não a acordava de madrugada para manterem diálogos, mas em algumas noites isso era inusitado. Nem dormiam.

Sua sabedoria era impressionante. Sempre que requisitada agia ponderadamente, mas se tomada de sobressalto era de grande dificuldade controlar o volume – da voz, do sorriso, da dose menos homeopática sobre o alheio.

Dotada de um físico totalmente gracioso sentia-se bem em cometer pequenos flagelos em sua estima, em sua inteligência, em sua segurança. Estimava em si, ou estimaria que os outros encontrassem nela um espírito caustico. Mas mesmo no auge da sua ironia e acidez, era doce e isso, mesmo que não percebesse tão claramente era o seu trunfo.

Devia deixar a França pela Espanha, ir de trem até Marselha, corresponder-se com Gaudi e beijar-se com Camille Claudel. Não que a sua construção fosse uma desconstrução. É que sempre vivia esse embora-voltar. E isso dava aos seus quadris um expressionismo moderno, mas com curvas do barroco clássico.

Ele juntou-se ao círculo de seus admiradores. Desejava ser mais admirador do que os outros, desta forma também seria admirado por ela. Ficava embaraçado por sua tinta fresca, seu excesso de sentido, de hiper-sensibilidade. Tatuagem, estigma, marca, sinal, seu corpo era um corpo feminino. E essa fêmea era a loucura dele, o seu sanatório, a sua embriaguez. A sua santa endemoninhada perdição.

Isto dela estar lá e ele estar aqui incitava um emaranhado que talvez virasse novelo para uma manta que mantivesse quente para a eternidade aquele bom prato de sopa que tomaram juntos.

]de_vir[




Todas as noites ela pedia um escrito para ele. Um escrito que falasse da sua pele. Um escrito que dissesse da sua intimidade. Um escrito para sempre, com todo amor. Um escrito plantado, incorporado. Um escrito feito das horas de seu De-vir.

Várias vezes ele ensaiou aqueles ensaios. Nunca os concluiu.

As palavras que iam saindo no papel não compunham nem um resquício das horas que passavam debaixo dos lençóis. Para cada vir lá estava ele ansioso para o próximo De-vir.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

]seios[




Desde pequeno gostei de seios. Não por inveja, mas porque me causavam curiosidades. Algumas vezes imaginei que pudessem ser um incomodo. Outras vezes pensei em entretenimento, mas na maioria delas sempre vi como beleza. Era nessa beleza que curiosamente sempre cuidei de canto de olho quando as mulheres se debruçavam nos balcões, quando usavam blusas brancas, quando seus sutiãs eram um número a menos e seus seios estavam lá como Pão de Açúcar. E quando chovia. A chuva dá aos seios um mistério do velado no revelado.

Nunca me botei a olhar por buracos de fechadura, por frestas de portas ou janelas entre abertas. Os seios de uma mulher são sua face, seu rosto, suas intensidades, seus gostos e desgostos. Vê-los simplesmente, sem que exista ali o semblante de quem os possui nada mais é do que nada.

Quando era menino os seios me pareciam duas bolas de gude, quando amadureci tive plena certeza que eram as esferas mais radiantes que um corpo de mulher pode ter. Nunca me passou pela cabeça que os seios estavam lá simplesmente para que pudessem ser usados como um veículo de alimentação. Seria de uma displicência incrível de quem os criou. Sempre me pareceu que o criador desenhou ali frutas. Sendo assim, alguns seios têm formato de pêssegos, outros de morangos, há os que parecem com peras e os abundantes são uma grande concentração de amoras. Sempre tropicais, os seios são sempre tropicais. Exigem eles uma grande liberdade, um remexer-se, um dançar, um frenesi. Mesmo aparentando frutas de inverno brotam no verão, é essa a estação. A sua estação.

As mulheres carregam seus seios como quem carrega suas existências. Acredito que lá dentro trazem bilhetes de antigos amores, histórias de quando deixaram de ser meninas, portas que se fecharam e arco-íris que se fotografaram. Neles estão às marcas dos afetos, dos carinhos, de mãos que mesmo rudes foram delicadas e de mãos que mesmo querendo ser delicadas foram rudes. Geograficamente se encontram lá em cima, à frente, algum espaço primeiro de todo encontro. Os seios abraçam muito antes de todo o corpo. Quase como um sensor – isso se perderá, isso ficará em meus seios por uma eternidade.

Diante de seios homens viram meninos. Diante de seios meninos viram homens. Mesmo já conhecidos, algo fala neles e são essas palavras que os tornam sempre outros. Outros como nunca vistos.

]feira[





Nem tão santa, nem tão freira.

Feira toda semana, a semana inteira. Feira dos sonhos de quem ainda não escreveu, daquele que já é escritor, daquele que o mundo ainda não leu.

Feira da Isabel, de tantas Anas, de Inácios, da Dê que só sabe se conto e nunca esquecendo do anjo Quintana, que já foi, mas perambula cuidando da Feira.

Feira que a vó leva seus netos, que a tia sem casamento leva os sobrinhos, que o pai leva o filho. Que os que não vão ficam esperando que os que vão lhes traguem novidades.

Feira de quem aparece sozinho para namorar, para sonhar essa poesia que há em cada dia.

Feira do livro, sempre um Porto Alegre.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

]nudez[




O mundo vinha lhe tirando a roupa. Mesmo não querendo a cada dia que passava a sensação é que ele tinha muito menos, muito menos de quando iniciou. Tudo que o mundo não conseguia mesmo lhe levar era essa sua vontade compulsiva de pintar. A sua loucura. O seu drama. O seu cruzeiro, a sua encruzilhada. O mundo sabia que mesmo levando seus dedos nada disto teria um basta. Pintava mesmo com os olhos e quanto mais às coisas ficavam escuras, mais o ver da sua pintura ficava claro.

Colocava-se em pelo para ela. Para que soubesse das suas fragilidades, das suas monstruosidades, do seu forte. Do que é e do que não é.

Quando a luz já estava quase sem luz, se perguntava se ela saberia o que fazer? O que fazer com esse homem nu? Essa não reserva. Esse planeta marte-me. Esse Afeganistão pedindo paz. Essa África com fome de amor. Saberia ela o que fazer? Sabia que traria afeto. Traria a-feto e é tão necessário renascer. Seja no Brasil, na Jamaica, em Dakota ou em Madri, seja do lado daqui ou Dali, o fim sempre é o inicio do começo.

Antes essa nudez fosse um presente - refletia. Uma nudez que trouxesse sexo, dança, prazer, junção. Mas não é. Essa nudez hora apresentada estava carregada de passado, de coisas que foram e não voltaram, de passaportes sem permissão, de circos sem palhaço.

Mas se pensasse que esses dias foram de depressão estaria redondamente enganada e num piscar de olhos lá estaria ele novamente com seu grande capote negro. Algumas lágrimas, porque chorar é composição e não decomposição, mas não depressão. É evidente que saberia a diferença de uma coisa e de outra. Ela sempre se posicionou de forma tão inteligente, não seria logo agora o momento de sua cegueira.

Nessa sua nudez, uma natureza que resiste a toda essa roupagem, essas vestes, essas formalidades. Esse país de Alices, esses Sacerdotes com dotes. Por certo nunca desejou ser um sultão imbuído de se cobrir de riquezas, jóias e palácios. É mesmo um andarilho eufórico para poder caminhar em liberdade, sujar suas mãos nas cores do céu como tela. Um Andaluz em busca da sua dançarina. Da sua mulher dançarina. Da sua vida Dançarina. Do seu prazer dançarino.

É este cigano que sem vestes ele oferta para ela. Esse cigano amável. Soberano diante de seus próprios dissabores. Orgulhoso em suas queixas e oriental em suas gueixas. Um cigano que resiste ao presente porque não crê em passado. Esse cigano que canta para ela, canções nuas de amor.

]retrato I[




Eu e o Mário Quintana nascemos no mesmo estado e com o mesmo signo, ambos leoninos. Queria escrever tão bem quanto ele, mas me basta não o envergonhá-lo.

Nós leoninos temos essa mania de acreditar que podemos ser mais que outros, mas é só a maneira de que encontramos para que as calçadas que nossos amores passem sejam ladrilhadas com pedrinhas de brilhante.

Quando nos entregamos, quando nos pegam, então essa coisa é meio pra sempre, ou melhor, não é meio é por inteiro. Temos isso do fogo e do coração, da paixão que daqui um pouco apaga. Mas, não temos fração, divisão, nosso limite é esse ir. É esse fogo que se não apaga rapidamente, então queima eternamente, dentro de pequenos frascos cristalinos com pétalas quintanares..

Vamos vivendo um eterno turbilhão, uma multidão dentro de nós, adolescentes e virgens que correm para cá e para lá como loucos, com os pés mais nas estrelas que em qualquer lugar e sempre de pés descalços. Quando elegemos o lugar que vamos ficar, ele é o nosso lugar. É difícil de tirar de nossa morada, desse castelo e suas muralhas. Lá estão nossos cavaleiros, nossas heroínas, nossos anjos e nossos querubins, nossos lamas, nossos sioux. Abandoná-los é nos abandonar. Somos essa coisa que se olhar bem perto e sentir bem dentro não é um jogo, é um sobreviver.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

]indignação[




Um mundo totalmente hipnotizado pelo próprio umbigo. Cada qual na sua e todos em nenhuma. Há uma ilha, um tratado de Tordesilhas que diz – não se meta comigo, não fale comigo, tome conta do seu próprio nariz e ouça, há de ter cuidado até com os conhecidos.

Na churrasqueira de tantos quantos possa se contar assa-se revistas. Ninguém tem tempo para visitar ninguém e quem quer que virá.

Corre pelas ruas que o ter vale mais que o ser. Um individualismo que nos cega a ponto de não notarmos que os vizinhos do lado estão separados. Surpreendente, os vizinhos ao lado estão voltaram. O rapaz que apareceu entregando o jornal era mais pardo.

As coisas estão indo. Todas aquelas coisas que eram bonitas. A escolha de um namorado pelo amor, a escolha de uma profissão pelo amor, as escolhas por amor. O amor está indo. As pessoas se cansam com muita rapidez. O amor é oxigênio. Falta oxigênio em cada um e isso espirra no geral: falta amor em todo mundo. Faltam árvores dentro de nós.

Todos com medo de todos. Mesmo sem sermos seqüestrados, o seqüestro já está feito. O sol desponta pela janela, mas ninguém mais abre as janelas temendo as balas perdidas. Não damos mais conta, a conta passou dos limites. O que dizer para menina de 15 anos e o outro que em maio faz nove? Eles têm tantos sonhos, querem ir para o mar e abrir suas velas. Mas e o barco? Onde está o barco e a nossa ingenuidade tão singela? Como navegarão no mar?

Geograficamente estamos aqui, mas na verdade não sabemos qual é a nossa posição no mapa. Nem na mesa. Na roda. Nem mesmo na discussão. Foram tantas viagens e há tantas lembranças sobre a mesa. Mas o que realmente buscava continua perdido. As bandeiras aos frangalhos, os ensinamentos em farrapos, os lírios murchando. Acabou a água do vaso, mas as rosas não são as únicas que estão morrendo.

Se a luz dos olhos teus se apagarem vai restar o que? Essa luz que ascende quando vê um bebê nascendo, essa luz que se ascende quando vê um ato de misericórdia, essa luz que se ascende quando vê o menino fazendo teatro, essa luz que ascende quando vê os cachorros brincando, essa luz que ascende a minha pessoa, a minha primeira pessoa. Temos que encontrar nossa primeira pessoa, antes que a vida fique de terceira.

Só sei que o modelo robótico não é o que domina, porque mesmo o sol se indo logo, vem a lua e tudo está bem para o nosso bem. Os cavalos estão aí e devemos montá-los. Temos que parar de fazer fumaça que apenas polui. É preciso enviar sinais de paz.

Importa-me seu carinho, seu afeto, seu querer. Eu não vejo como alternativa pintar esse muro caiado de sombra, se o seu olhar insistir em chorar tristezas ao invés de felicidades. As alternativas diminuirão ainda mais, porque as alternativas não saõ geração espontânea. Fizemos um olho mágico para guardar nossa privacidade, não adiantou. Fizemos um porteiro 24 horas para resguardar nossa privacidade, não adiantou. Deixe que perguntem, invadam, constranjam. Deixe que virem do avesso, que comentem, se metam, que tirem as cortinas. Com certeza será uma tempestade de fogo. Uma carruagem de fogo. Não é bom rebocar o essencial. Se não tudo pode se transformar só em massa corrida.

]menina[



Ela se pôs a dizer versos. Versos pobres, mas de coração. Geremias olhou-a bem dentro dos olhos e se encabulou.

Geremias recordou que já fazia tempo que não admirava alguém bem dentro dos olhos. Arrepiou-se e corou.

Não pode deixar de ir folheando na sua mente, como essa vida levada sempre nas pressas transforma tantas coisas bonitas em bobagens: vira bobagem dar um abraço forte, vira hábito dar um beijo, vira comum tomar café da manhã, vira monótono ter que levar a namorada para ir ao cinema. Tudo vai virando hábito que logo aprendemos a confundi-lo com chato, e mais rapidamente pode se tornar o fim dos fins.

Em certa altura da conversa ela lhe chamou de moço bonito. Aquilo o pescou. Anzol na boca, lambari se debatendo. As mulheres pegam realmente os homens pela boca. Se a exclamação era verdade ou mentira, tinha uma singela expressão e as coisas quando são singelas normalmente são honestas. Mas, mesmo assim perguntou a ela se era verdade? Ela riu como quem se confessava. Já não precisava dizer mais nada. Estava respondido para ele – Era verdade.

Passou o dedo nas sobrancelhas exibindo um charme. É evidente que existe um monólogo instalado em nossas vidas, um eu a prosear comigo mesmo.

Temos algumas expressões viciadas. Quantas vezes teria repetido frases como meu bem, eu te adoro, você é a minha vida, como é bom estar com você, você me faz uma falta, nunca me esqueço de você, minha cara metade. Nunca se deu conta se aquilo estava saindo de dentro para a boca, se já tinha caído em uso comum, se era parte do dicionário vai prontinho assim.

Ela tinha apenas 10 anos e a sinaleira estava prestes a abrir. Geremias teria que avançar, pois a vida não pára. Tudo aquilo poderia ser só uma nova estratégia para amolecer seu coração e fazer com que sacasse uma moeda. Pois bem, ela venceu. Pegou a moeda e um pacote de Tostinnes e se tivesse um pouco mais de tempo talvez ainda tivesse feito um agrado em suas bochechas e lhe dado um beijo.

Enquanto sorria ia dizendo pra si mesmo que prestaria atenção nos bilhetinhos de agradecimento, ia perder mais tempo comprando bombons, ia perceber mais no batom que mudou ou o batom que não foi usado. No próximo bom dia para o vizinho ia esperar a resposta e ia confirmar a resposta. Ia querer saber como está aquele seu afiliado que nunca mais ligou e no ano que passou nem mesmo tinha levado se quer um presente de Dia Das Crianças. Em relação ao bebê dá amiga que tinha nascido e que tinha colocado várias outras coisas como mais importantes na frente, agora tinha se tornado uma prioridade.

Ele estava sensível e não queria deixar ela para trás. Provavelmente nunca mais iam se ver, mas ela continuaria ali enquanto ele pudesse ir fazendo diferente os dias que nunca são iguais.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

[laranjas do céu]

Alguém pode entrar em nossas vidas galopante. Ou pode entrar com quietude.


Alguém pode entrar em nossas vidas pelo Chat, mas pode ser um olhar no playground.

Alguém pode sair do nada e dar em tudo.

Pode se ter a sensação que sempre esteve lá escrito, ou que tudo ainda está para se escrever. Seja lá como for deixe que entre.

Quando acreditamos que as Laranjas são todas iguais. Perdemos de apreciar as Laranjas do Céu.

[aviso]

Iam desfilando sobre seus olhos as moedas que não eram moedas, nem varetas, eram pedras de runas.


O I Ching colocava que o momento era de renascimento. Ufa, foi como se sentiu. Nesses tempos devemos ir com calma, não nos expormos em demasia, para que possamos acessar nossa força interna e ela trabalhe ao nosso favor. Como iria realizar isso. Tudo que tinha era essa coisa de se meter, de se atirar, de emergir até perder o fôlego, de nunca estar de férias.

Seu espírito de guerreira certas noites se assustava. Os medos entravam pelas janelas mesmo as janelas estando fechadas. Nada de mais para quem olhasse de fora, tudo de mais para quem estivesse naquela pele. Camila parecia de pedra e por isso que água mole algumas vezes tanto batia que até furava.

A passarela da frente da rodoviária, os automóveis passando um a um, era assim antes, agora são outras passarelas e outros automóveis. Camila tira o sobretudo do armário, porque está muito frio. Cozinha alguma coisa e volta a fazer funcionar seus neurônios. Pensa que se fosse fumante talvez no primeiro momento tivesse mais paz. Claro que depois poderia sofrer de algum câncer, mas hoje estava mais interessada no momento.

Desenvolvimento e progresso também estavam contidos naquele aviso. Estava precisando disso. Um cheiro de queimado e olha para frigideira e as salsichas estão prestes a virar carvão. Ovos! As salsichas viraram um carvão e uma omelete é a saída.

Senta-se e mais uma vez organiza as idéias. Ouve a voz lhe falando como se estivesse diante de si: o poder do conteúdo compensará a simplicidade da forma. Nessa sua vida toda tinha dado muito maior valor às coisas por aquilo que são e não pelos seus modismos, por sua estética, pelo seu charme. Morava num apartamento minúsculo e só se mudaria se tivesse que estar mais perto do centro. Era assim que pensava e não agiria em conflito com o que pensava.

Num dia de manhã largou um cravo embaixo de uma frondosa árvore. Esqueceu que pessoas podiam estar passando, esqueceu quem podia estar olhando, lembrou só de si e de que se nos avisam é porque estão preocupados com a gente. No mínimo dar atenção pode remediar muitas dores que são oriundas por estarmos naquela de sempre deixar assim. Sentiu-se um pouco deusa agradecendo seus deuses. Saiu de lá de dentro e se colocou lá para fora. A coragem não veio de outro mundo. Ela só estava dormindo e suspeitamente acordou. O sono então pode voltar a sonhar. Mas faria o que deveria ser feito – o recado.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

[madalena e cristo]

Tolice, insensatez, coração mole. Mas o que queríamos mesmo é que numa noite estrelada Cristo tivesse levado Madalena até em casa, parado em frente ao portão e ele ter dito a ela como era uma pessoa especial, como era bonita e como a cada dia estava mais bonita ainda. Madalena nada teria falado. Madalena teria retribuído com um afagar nos seus longos cabelos. Teria encostado seu rosto no rosto dele e ele teria beijado-a. Madalena que antes estava pálida, agora estava corada. Cristo que tinha palavras para tudo então estava em silêncio.


Leonardo nasceu menino como todos os outros numa cidade pequena em Genebra. Leonardo brincou, amou e não tinha apenas uma inteligência diferenciada, tinha uma alma diferenciada. Leonardo quis um final feliz para as mulheres. O manto sagrado e sangrento que por séculos vem as colocando de fora não era a cor da arte dele. Talvez por isso que enquanto deu desistiu da idéia de cruz e partiu para uma idéia de amor. Não porque era libertino, mas porque era liberdade. Esse era o seu maior código. O código da Vinci.

[lâmpada]

Quando acordou tinha que juntar os cacos da porcelana que não era japonesa, mas era a melhor porcelana que conseguiu fazer nesses anos todos. O amor é paz e não tormenta, o amor é liberdade e não fronteira, o amor faz bem e não faz mal. O amor que traz dor é o amor que teme a felicidade e se esconde, o amor que vive na tormenta é o amor que teme a vida e escolhe a morte, o amor que existe na submissão é o amor que vive de pouco porque quem muito recebe, muito tem que dar. Escreveu no vidro do seu carro que a vida não pára. Isso é uma verdade bem difícil de entender.

Perder é uma luz que apaga e temos que ficar tateando para achar o interruptor e sair daquela escuridão. Mas a vida tem que andar. Porque a vida tem essa luz.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

[olhos de dragão]

Adorou os cachorros. Parecia terem vindo de um mundo encantado. Cabeça grande, corpo pequeno, mas robusto e, eram meigos, completamente meigos. É difícil se deparar com algo forte, mas que não demonstre nenhum perigo.


Riu quando encontrou aquele banheiro dentro do armário, riu novamente quando viu aquele quarto com três camas e aí foi seu corpo que riu quando viu a cama. Não esqueceu que a luz deveria ficar acesa. Dormiu e sonhou.

Ele os conquistou e eles o conquistaram, a ordem não faz muita importância, porque a ordem só faz importância onde existe desordem.

Seus olhos de dragão iam iluminando e se iluminando naqueles dias. É lamentável que quando crescemos, quando passamos a ser adultos, nossos olhos ao invés de serem lanternas passam a criar incêndios sobre aquilo que é felicidade.

[flores]

Mulheres amam flores porque embelezam e embelezando se tornam belas. Pois, nem tudo que é belo embeleza, mas tudo que embeleza fica belo.


Mulheres amam flores porque não são quantitativas, são qualitativas. O quantitativo na maioria das vezes não é cuidadoso, a qualidade é que exige “detalhes tão pequenos de nós dois”.

Mulheres amam flores porque elas expressam outro tempo de duração. Mesmo depois de sua despedida as flores permanecem com seu aroma nos olhos, pela pele, dentro do coração ou mesmo em folhas secas marcando livros.

Mulheres amam flores porque são doces, porque são amáveis, porque são carinhosas, porque são poéticas e são poemas. E isso é tão bom num dia, em dois dias, num mês, para toda vida.

Mulheres amam flores também por seus espinhos. Desde cedo aprendem que as coisas nem sempre são um mar de rosas.

Mulheres amam flores porque são a homônimos de jantares a luz de velas, dedos nos lábios, príncipes, bilhetinhos de amor, olhos nos olhos, diálogos, palavras que sopram nos ouvidos, ouvidos que dão arrepios na coluna e mundos encantados que se passam por debaixo dos lençóis.

Mulheres amam flores porque flores contam da sensibilidade, contam da ternura, contam das almas apaixonadas, contam da felicidade. Mas, contam mesmo, que toda história de vida é perfumada.

Repare bem e vai notar que um buquê desarmar uma briga, cara feia, dentes cerrados, faz a porta que está fechada abrir. É uma nova chance, literalmente uma flor faz um coração amolecer. Até porque, os corações não foram feitos para endurecer.

Mulheres amam flores. Amam as flores porque as flores são românticas e para ser romântico é preciso tudo sem precisar nada. Mulheres amam flores porque é uma declaração de amor. E esse tipo de coisa os homens também deveriam amar.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

[relógio]

Dos quinze minutos atrasado. Do tema que deveria ser entregue nessa aula, mas foi relaxadamente esquecido. Do vou ali e já volto. Das gavetas abarrotadas com histórias do passado. O livro chato, do autor medíocre que arranjamos emprestado porque o dentista nunca atende na hora.

-Vamos dar um tempo é melhor para nós dois.

Do verbo aplicado no futuro do pretérito. O resultado do exame de gravidez, do câncer, de qualquer doença. Positivo ou negativo? O olhar pela janela. O leito do hospital. A médica para dar alta. A médica para fazer à baixa. A médica que não vêm.

Da chuva que cai quando queríamos um dia de sol. O sol que sai quando queríamos um dia de chuva para tomar vinho com nosso bem. A insônia. A vontade de cair na cama. O sono na estrada após o almoço pesado. O carro quebrado e o mecânico que não chega. O assado no forno. A fila do caixa do banco. A fila do hospital. A fila para entrar no restaurante. A fila para receber a devolução do imposto de renda. Qualquer fila.

As férias. O antes da festa. A festa que está um porre. O porre do amigo que está no porre. Quem nos ama, mas não amamos. Quem amamos, mas não nos ama. A saudade de alguém que morreu. A vontade de ver a irmã que mora em outro lugar. A vontade de estar com a irmã que está em outro país. Os olhos ficam contando em vão os dias do calendário. Os ponteiros sempre ajudam a prolongar ainda mais o tempo que se arrasta

Espera-se por um político honesto e faz tempo.

Do chaveiro para abrir a porta emperrada. Por uma oportunidade para mostrar que somos melhores do que somos. De segundos para baixar o tempo da natação. Da sinaleira. O engarrafamento. Do filme chato, do autor chato, que fomos ver com alguém por pura falta de opção por coisa melhor. Da prova que não sabemos nada.

Esperar que o outro tome banho. Esperar que o outro escove o cabelo. Esperar que o outro se pinte. Esperar que o outro chegue do futebol. Esperar que o outro chegue da cervejada com os amigos. Esperar para jantar com o outro que ficou até mais tarde trabalhando.

Do relógio ao cronometro. Da ampulheta aos frames. Das horas, dos minutos, dos segundos, dos milésimos de alguma coisa. Quando chegará? O que chegará? Como chegará?

O desejo em desejar fazer o que está para acontecer, que aconteça com mais velocidade. Os ponteiros ainda por cima não se falam com as nossas vontades. Não são convenientes nem coniventes com nossas pressas, nossas preces, nossos reclames. Porque os ponteiros são só os ponteiros, também prisioneiros dessa mesma armadilha. Que tem como capricho limitar o sentir e o sentir nada sabe da natureza dos sinos que tocam sempre na mesma hora.

[santa catarina]

"Oh meu amor, não fique triste

saudade existe pra quem sabe ter,

minha vida cigana me afastou de você,

por algum tempo vou ter que viver,

longe de você,

longe do seu carinho,

longe do seu amor..."


Por vários meses ensaiaram aquele encontro.

Tudo começou com um mero acaso. Numa daquelas salas de bate -papo, num carnaval que nada tinham para fazer, uma terça que já era de cinzas para ambos. Ele se meteu numa conversa dela com tamanha violência e ela o cortou na mesma moeda. O corte foi tão profundo que gases e metholate teriam sido pouco para tratar a ferida. Mas, era carnaval, ele nem deu bola. Bola pra frente, nem foi comigo, estamos aí para o que der e vier.

Não perguntaram a cor dos seus cabelos, nem quanto mediam o que faziam da vida. Foram falando das suas canções prediletas, dos seus escritores preferidos, das suas cidades, dos seus passeios e quando se deram por si estavam íntimos. Passaram a se escrever, se prometer, se sentir falta. Um dia estavam platônicos.

Queriam curar aquela platonicidade. Aquele amor que não se tocava e que não se beijava. Aquele amor que sentia frio, mas não sentia calor. Queriam curar aquela ausência.

Ela disse que vinha e ele disse que a buscaria no aeroporto.

Ele disse que ia e ela disse que o buscaria no aeroporto.

Ele e ela nunca tiveram coragem de atravessar a rua. A chave do carro ficou no chaveiro. O portão elétrico nunca levantou. E as malas? Que malas? O café esfriou sobre a porcelana da mesa da cozinha, o despertador chamou, mas permaneceram dormindo. Algumas desculpas, nenhumas desculpas, todas as desculpas. Ele saiu para o cinema. Ela foi preparar um sanduiche. E eles passaram uma borracha naquela história de adolescentes.

terça-feira, 15 de junho de 2010

[rezar]

Fazia um período grande que não batia água no lugarejo. Nas primeiras semanas caiaram os muros e depois as árvores para passar o tempo. Aproveitaram também para pintar os meios fios e a única faixa de segurança, que ficava diante da única escola. Naquilo tudo ia água, mas a expectativa era que em breve tudo iria se normalizar.

Foram vários mutirões de pequenos reparos. Todos se conheciam. Todos sabiam que Geremias era dono da Padaria, que Alfredo era o dono da farmácia, que o padre respondia pelo nome de Nilo e que para algumas benzeduras, cobreiros, conciliações de amor tinha que ser falado com a velha Anastácia. Nada da água se apresentar. Iniciaram uma operação de guerra restringindo primeiramente os banhos. Em seguida marcaram hora para lavarem as roupas e mais adiante quando a tensão já estava se misturando com o medo e a falta de equilíbrio também foi necessário um controle maior na água que se bebia.

Os animais andavam desolados nos campos que secavam. As crianças desidratadas faziam fila no pequeno posto de saúde coordenado pelo Dr. Romualdo. Calamidade Pública era como avaliava aquela situação o prefeito. O prefeito, homem de estatura mediana que andava na casa dos 60 anos mandou chamar o delegado e o vereador na pequena, mas imponente Prefeitura para darem uma solução para o problema. Concluíram que deveriam escrever uma carta ao condado mais próximo. Alguns carros pipas poderiam resolver momentaneamente a situação. Mas quando chegariam? Foi à pergunta do Delegado.

Na manhã de sábado Carmen sentiu as primeiras contrações e não tardou em arrumar sua pequena mala, sorriu para a mãe, sorriu para a velha tia, deu a mão para Alonso e ainda teve que apressá-lo para irem ao posto. Não mais que 200 metros, umas 8 casas. Era seu primeiro filho e isso lhe dava um friozinho na barriga, diga-se de passagem, uma barriga que estava enorme, inclusive alguns arriscavam a dizer que ali cabia gêmeos. Ela se gabava e atirava tudo a Deus. Desconhecia o sexo da criança, se era um, dois ou três nenês, se as coisas estavam em ordem ou desordem. O lugarejo carecia de infra-estrutura para exames mais elaborados e diagnósticos mais precisos. Nasciam e morriam poucas pessoas por aquelas bandas. Quando nasciam festejavam. Quatro a cinco dias sem parar. Quando morriam choravam. Quatro ou cinco dias sem parar. Literalmente o que mandava era o olhar clínico. O doutor olhava e anotava os remédios no receituário. Se tivesse na farmácia compravam, se não tivesse pediam alguma erva para o Sr. Alfredo ou apelavam para uma benzedura da Dn. Estácia.

A cada 10 metros Carmen tinha que dar uma paradinha e se recompor para novamente se por em marcha. Em cada casa que passava lembrava-se de uma história, um bolo de fubá que tinha sido compartilhado, um café que tinha sido feito com todo carinho ou uma partida de dadinhos que tinha rompido a madrugada adentro. Ia indo e ia lembrando. Até que os olhos de Carmen estavam centrados nos olhos de Alonso.

- Que foi mulher. Que cara é essa?

- A água Alonso? Como vai se lavar o bebê?

- Deve ter alguma coisa ainda, alguma economia.

Nem terminou o assunto e a bolsa estourou. O líquido correu por suas pernas e Carmen passou a ficar aflita. O Doutor estava esperando-a. Luca tinha corrido na frente para avisá-lo. Ela ficou descansada quando viu algumas bacias com água quente e sentiu uma paz do céu quando Dr. Alfredo chamou-a por minha menina Cá.

Mesmo quarenta anos depois quando Dona Carmen se sentava e os netos a rodeavam no chão para ouvir aquela história, aquela história continuava impressionando a ela e a eles.

Ia sentindo que Tadeu estava nascendo, que ia abrindo seu corpo para poder enxergar esse novo mundo. Rezava para ele. Rezava por eles. Rezava que nascesse novamente água do céu. O Doutor dizia que fizesse força e fazia. Olhava pela janela e sonhava em pingos batendo. Não queria o filho, filho daquela seca, daquela dor toda. Rezava para que tudo voltasse a ser verde. Está vindo minha menininha. Mais um pouco, mais um pouquinho. Um menino, um belo menino, disse o Doutor. Ela chorou de felicidade. E a felicidade dela foi tanta que o céu, o céu também chorou de felicidade naquele dia que choveu.

[preguiça]

Naquela manhã lhe bateu uma preguiça. Uma coisa de jogar a toalha para cima e esperar a banda passar. Sentiu uma vontade de ter alguém para si, talvez fosse por ser sexta-feira. Bela e linda sexta-feira. Talvez por estar se tornando egoísta, talvez por estar tão cheio de “talvezes” e se tivesse alguém, ela poderia ajudá-lo a sair desse labirinto.

Um amor como pasta de dente. Algo que trouxesse um gosto bom na boca bem logo cedinho da manhã. Bateu uma vontade nela de ter um. Um amor que escorregasse pela cadeira sem medo que viesse escorregar também entre os próprios dedos. Que fosse proteção sem ser dominador. Algo do tipo madeira e carpinteiro, tela e pintor, fosse livro e escritor. Um amor que sendo verbo, não deixasse de ser também o sujeito da ação. Ela se sentia pregada, amarrada, aranha naquela sua teia bem estruturada. Estava cansada de ser a iniciativa, de ter a iniciativa, de estar com a iniciativa. Toda aquela ordem vinha lhe colocando permanentemente em desordem.

É tanta vontade de vencer. É tanta vontade em poder presentear melhor as pessoas. É tanta vontade de ir ao cinema. Os livros esbarram-se uns nos outros nas prateleiras das livrarias. Os filmes fazem fila indiana nas recomendações do jornal, há muito que fazer e acabamos não fazendo nada. Somos soldados de uma guerra que nem sabemos muito bem o que queremos dela. Homens e mulheres balas. Estamos sempre na boca do canhão. Lançando nossos pedaços de expansão sabe Deus aonde. Será que Deus sabe mesmo o que está fazendo? Claro que sabe. Se não estaria no céu jogando dadinhos. Diluídos nas nossas glórias, nos sentimos generais de conquistas que ficamos imaginando quem irá admirá-las. Quem estará presente para nos dar a medalha? E a foto? O poster?

O calendário conta os dias que já se passaram esse ano. Foram tantos e eles não pareceram muito diferentes do outro calendário. Os mesmos amigos, os mesmos lugares, as mesmas músicas, até o que poderia parecer igual, foi exatamente igual.

Nem deu para perceber. Ela não o viu, não se esbarraram em alguma esquina. Não eram amigos dos seus amigos. Não se matricularam para a mesma especialização. Eles sentiam a mesma coisa, mas não estavam lá no encontro do café, da janta entre amigos, da praça, do frevo canção.

Um amor que tivesse como única imposição a vivência deste mesmo amor. Um pouco de terra molhada, um cheiro de capim limão, um jarro com hortelã, alguma champagne e duas taças. Era tudo o que queria e isso não parecia muito. As mesmas lamentações, sempre as mesmas queixas, dúvidas pra lá de mastigadas que já se tornavam certezas. Tudo estava visto do outro lado da cortina. Ela olhava para o espelho e ele também olhava para o espelho.

O amor ainda não bateu na porta nem dela e nem dele. Mas, essa manhã uma maça com um bilhete “ profe eu te amo” estava sobre a sua mesa. Bastou para que abrisse um sorriso e se sentisse amado.

Seguirão sozinhos por mais um tempo até que se vejam. Mas aquele almoço foi um presente diferente para ela. Uma mensagem na sua secretária eletrônica dizia algo do tipo: Muita gente no consultório? - Lu, a luciana nasceu essa manhã. Graças a ti ela está aqui do meu lado e não naquela Clínica. Eu te amo e ela vai ter o teu nome.

Quando a luz é muito intensa cega os olhos.

Porque tem trabalhado tanto, se perguntava. Projetos e mais projetos. Abre a porta, tateia o interruptor para poder acender a luz do apartamento. Certos dias o apartamento parece muito maior que o habitual, suas paredes são braços musculosos e o corredor uma passagem para o infinito. Pensa nisso enquanto se desloca até o computador para ler seus emails particulares, nem sempre tinha tempo para isso no consultório. Os emails traziam a ilusão de que a qualquer momento o seu príncipe pudesse chegar por aquele correio eletrônico. Mas só os sapos, por ali passavam só os sapos. Não ia mais fazer testes. Os últimos tinham permanecido sapos.

Eles vão ir, eles vão voltar. Eles vão ir e eles vão voltar. O mundo fica girando, girando e girando. Meio parecido com roda gigante. Se não estamos sofrendo uma aparente síndrome de torcicolo dá para olhar para o lado e ver que as coisas estão acontecendo ciclicamente.

Antigamente as janelas eram de abrir, hoje são de persianas. Mas permanecem sendo janelas e olhar por elas permanecem sendo uma possibilidade que o arco-íris nos visite. Talvez esteja aí à razão de muitas coisas estarem estampadas na nossa cara, mas como olhamos só pelas frestas das persianas, nós acabamos acreditando estar enxergando tudo, quando estamos avistando partes.

- Alô é a Nanda?

- Não.

- Será que é engano, mas me deram esse telefone, pois a Nanda teria filhotes para dar.

-Você gosta de cachorros?

-Gosto e você?

-Tenho um. Não dá pra ter mais de um em apartamento.

-Não tenho nenhum, mas gostaria de ter.

-Não sou Nanda, sou a Lu, mas poderia ver isso pra você.

- Eu sou Laco...

segunda-feira, 7 de junho de 2010

[esperar]




Tempo solitário. Olhando para as luzes da rua.

É sempre uma coisa crua esperar.

Temos que esperar o sim, o emprego, o amor. Cansamos-nos de esperar. Esperamos aquele presente que a tia não trouxe no dia do aniversário e jura que no próximo encontro trará.

É espera daqui e esperar dali. Espera-se um almoço com alguém que faz dez anos que não vemos. Um horário na agenda da cabeleireira. Espera-se ser padrinho algum dia. Tempo que não passa. Que não anda. Tempo que dá vontade de ir ao banheiro, tomar mais um café e para os fumantes, tempo que se fuma muito além da conta. Tempo de andar de um lado para o outro no escritório, na sala de maternidade, na fila do caixa, na lista de espera para o doutorado. Tempo que se faz um buraco no carpete, no areão da praia, arranha-se a mesa com as unhas.

Esperar sentado na calçada contando às formiguinhas que carregam suas folhas para alimentar o seu povo. Ser obstinado, mas não esperar muito tempo para tirar férias. Tempo de não esquecer que também há tempo para ser cigarra.

Esperar nove meses para ser mãe. Esperar para ver o bebê nascer saudável. Esperar a febre baixar. Esperar o menino vencer sua dificuldade para se alfabetizar. Esperar o torcicolo sumir. Esperar o pessoal vir e consertar a rede elétrica, os vazamentos. Esperar o dólar subir ou o dólar cair. Esperar os resultados no pregão. Esperar ela partir ou ele chegar, ela chegar ou ele partir. Esperar que a vida se transforme e alguém nos de bola. Esperar o gol. Aceitar o impedimento. Esperar a vez. Esperar a reserva.

Como envelhecemos rápido. Como amadurecemos devagar. Incluir nos estudos matérias como disciplina, quietude, velocidade, movimento. Incluir nos estudos matérias como não deixar que a vida passe. Ver como passa, porque passa e onde deseja chegar. Perguntar para vida sempre, mas sempre sem esperar respostas conclusivas.

Não dá para ir se o coração diz para ficar. Esperar pelo beijo e o seu sorriso matreiro nas terças e quintas. Esperar se vai sair à bolsa de estudos. Esperar a inspiração, mas não esquecer que é na transpiração que reside a poesia. Tempo para acreditar que a paz vale a pena. Tempo para ouvir música. Tempo para não se abrir mão de que haja vida após a morte. Tempo de colocar fé, fé na verdade.

Esperar que o tempo do nada fosse completo. Esperar que o tempo vazio fosse preenchido. Esperar o inesperado. Esperar ter acertado e quando se agiu errado descolar um tempo para pedir desculpas.

Esperar a água para lavar. Esperar o fogo para queimar. Esperar a terra para florescer. Esperar o ar para ir. Todo tempo é tempo para tentar de novo. Todo tempo é tempo para fazer a chama arder. Todo tempo é tempo de colheita. Todo tempo é tempo de se oxigenar. Esperar que mesmo esperando, não se esteja parado.

[insônia]



Essas noites que não se dorme. Essas noites que os lençóis pesam sobre o nosso corpo. Que se vira para um lado e para o outro. Essas noites que o assalto a geladeira é mais que inevitável, é um assédio. Essas noites que esquecemos que um dia o que nos tirava o sono mesmo era o passeio, o campeonato, as histórias de terror dos irmãos mais velhos, o barulho das folhas das árvores nas folhas de zinco.

Os fantasmas andam pela casa, os nossos fantasmas. Os nossos fantasmas que contam dos desamores, dos dissabores, do que não tinha, do que não vinha. Os fantasmas não fazem barulho, o que nos assombra é o silêncio. E o sono? Cadê o sono? O sono não dorme. Uma luz acesa. Poderia ser a do corredor ou a do banheiro. Era o que bastava para que os fantasmas ficassem iluminados. Uma canção, a sua voz. Um afago, suas mãos em nossos cabelos. Só a sua presença já bastava para iluminar os nossos fantasmas.

As horas que não passam. O sol que não chega. Na insônia o sol não chega. Só o escuro. Na insônia só o escuro é o tempo real. Quando brincávamos podíamos estar casados sem estarmos casados, podíamos fazer tortas e bolos sem termos fogões. Tínhamos cavalos dentro de nossos quartos e as espadas nada sabiam do morrer. Como conhecíamos com profundidade um tempo sem aquários. Nem sabíamos o que representava anos, meses, semanas, dias, horas, minutos e segundos.

O tempo é outro. Um tempo inquieto e os nossos olhos permanecem abertos. A mente teima em ficar triturando pedaços do dia que passou, da semana que passou, do ano que não passou. Bastava uma guerra de travesseiros não desejávamos mais dormir. Mas também bastava uma boa companhia para o sono se perder. Um bom filme e os olhos bem arregalados. Uma excitação desse outro poente. Da primeira ida para ver o mar. Do encontro com o que sempre escapou. Do beijo que não saiu e que se perdeu nas ruas.

O sono não chega, mas chegará. Ele não é de matéria infinita, ele é finito como nós mesmos. Basta uma esquina que lhe dê sentido e partirá por aquela calçada. Então viverá e virará algo para se rir. Porque quando podemos rir do que nos causa dor a dor adormece. Como aquela topada na calçada anos atrás, o braço quebrado quando criança, a vacina, a injeção, o dentista, a falta, a solidão, o frio, a piada sem graça. Por fim e é hora de acordar para uma nova manhã.

sábado, 22 de maio de 2010

[carinhosamente]

Será que cabe ao amor sentenciar o melhor ou o pior? Ao amor só cabe amar. E sobre o luxo, o conforto, o belo, o feio? Ao amor cabe permanecer lá e ser acolhido, ser vivido. Surpreender e ser surpreendido.

Não cabe ao amor dizer que Beethoven é mais interessante que uma milonga, que Eduardo Galleno é mais inteligente que Capricho, de estabelecer luxo para o cinema e lixo para a TV. Ao amor cabe apenas por ele quase morrer. Fazer com que a vida seja um Vilarejo. Um lugarejo em que se possa colher pêssegos em companhia desse amor. Um bem que nos faça bem.

O amor não tem olhos, fita métrica, não dá parecer de economia, não fez banca nas academias, não é letrado. Tudo que sabe é do danado do sentimento. Sentimento que faz sorrir, que faz chorar, que faz dizer bobagens, que faz fazer colagens e até promessas. É estradeiro debaixo dos lençóis, é véu, bicicleta, agulha que costura de uma ponta e faca que corta na outra. É paradeiro, mas também é susto.

Trombone que parece engraçado, flauta aguda, chelo que espanta. O amor nada sabe das formas geométricas, da caixinha de música, dos planos que traçamos para ele, da encomenda, do sedex, da carta registrada. Tudo que quer mesmo é entrar sem bater na porta, pular pela janela, criar um cenário que não foi proposto por nós, sugerir um tablado que a fala não foi criada por nós. Nós é que somos tontos, estamos bêbados. O amor tem sua linha, seu equilíbrio, seu próprio diálogo, seu paciente monólogo, sua bagunça organizada. O amor espera. Espera que paremos de dar a direção, que nos desfaçamos da bussola. Que o deixemos, o deixemos entrar sem destino, sem endereço, sem hora agendada, sem prólogo, sem carta de apresentação. O amor espera que a nossa teimosia se desmanche e se acabe, ela se desintegre, para integrar o seu acaso. O acaso do amor.

Carinhosamente o amor observa a nossa infelicidade, a nossa angustia, o nosso não dormir, a nossa fragilidade, a nossa infidelidade as suas leis. Carinhosamente manda olhares de esperança, coloca tempero em alguns dias, faz a pele se arrepiar em outros. Carinhosamente o amor nos manda um alento, pingos de orvalho que são esperança em manhãs de outono. Carinhosamente o amor nos faz com que não abandonemos a idéia do amor.

[para que serve um grande amor]

Um grande amor serve para dar um beijo.
Um beijo molhado, um beijo suado, um beijo acordado.
Um beijo quando executado displicentemente é mais um beijo. Um beijo de um grande amor seja nos lábios, no rosto, na testa, sempre beija o coração.
Um grande amor serve para compreender.
Compreender que o silêncio não é amargura, é mansidão. Que o riso não é deboche, é felicidade. Que o choro é também choro de saudade. Que não há dor maior que a dor de não ter um grande amor.
Um grande amor serve para despertar.
Despertar para o gosto do sorvete com calda de amora, despertar para o perfume das flores, despertar para um jantar a luz de velas, despertar para uma casa com lareira e uma só taça de conhaque. Despertar para o dia de hoje e a noite de amanhã.
Um grande amor serve para dividir.
Dividir as roupas, Dividir um dia que foi chato no trabalho, dividir a alegria do novo corte de cabelo, dividir uma só cadeira, dividir uma só cama, dividir talheres, dividir o último tablete de Toblerone, dividir a escova de dente, dividir dois em um.
Um grande amor serve para casar.
Casar a praia com uma caminhada, casar a praça com um beijo no balanço, casar o cinema com as mãos que se acariciam em conchas, casar discussões calorosas com um abraço amante, casar o finito com o infinito.
Um grande amor serve para sonhar.
E falta tanto sonho nesse mundo. Tudo é tão real. Tão pra ontem. Tão pra agora. Tão instantâneo. Tão leite em pó.
Um grande amor serve para a gente não morrer.
Não Morrer de tédio, não morrer de solidão, não morrer de falta de prazer, não morrer da ausência do que fazer. Não morrer da falta de um grande amor.
Um grande amor serve para melhorar a nossa visão.
Melhorar a nossa visão quando vemos a lua, vemos as estrelas, vemos as folhas, vemos os frutos do pomar. Quando vemos o lixo que não desceu, a toalha sobre o sofá, as calcinhas no banheiro, a marca de batom nos nossos lábios, as fotos. Melhorar a nossa visão para que ela sempre saiba que a beleza tem tantas nuances no se apresentar.
Um grande amor é um grande amor e ponto inicial.

sábado, 15 de maio de 2010

[altar]




Queria se casar com ela. Usar a mesma pasta de dente, dividir a escova, secar-se na mesma toalha. Queria partir com ela para a mesma casa. Ouvir seus sonhos, dormir com seus pesadelos e pela manhã, vê-la maquiando os olhos que escolheu para amar.

O vento tem composto a vida dele de ausência. A cama era só cama dele, a casa grande era solitária e as viagens ele compartilhava com as aeromoças, trocava idéias com os recepcionistas de hotéis e a pele era uma rosa desfolhada. Não se embriagava, mas seria melhor. Não contratava prostitutas, mas seria melhor. Não se lamentava, mas seria melhor.

Naquele dia em que eles se encontraram, ela não levou nada daquilo muito a sério. A primeira impressão que teve dele foi de um homem muito disputado, um sucesso nas palavras e um doce que poderia ser dela, mas estaria sempre no balcão da padaria para quem mais desejasse. Não deveria se iludir com esses pequenos galanteios, não que os dele fossem do tipo encomendados ou frases prontas, muito pelo contrário, eram originais e lhe faziam sentir calor. Mas esse calor já tinha lhe dado, numa idade pouco mais que adolescente, um filho lindo. Agora era mulher e mais que uma paixão imensa, uma música na memória, um canto de recordação e velas, e declarações, merecia não ser mais dilacerada.

Entregou a vida para os arredores de Oxum. Andou em guerra com a justiça de Xango e brigou com os mares de Yemanjá. Cravou a espada de Yansã em seu coração para impressionar os deuses. Roubou o cavalo de Ogum para galopar dentro dos sonhos dela.

Naquele sábado de sol que está com a razão e que queima nossos males que nem se sabe onde se apronta, ele se apaixonava com crianças entre 8 a 10 anos, ensinando elas a plantarem essas coisas tipo alface, temperinho verde ou outras plantas medicinais, destas que tem substâncias terapêuticas como a abobora, agrião, alecrim. Ela veio de lá e encostou seu corpo bem juntinho do dele naquele altar. Momentaneamente ele se assustou, mas em seguida deixou que o calor tomasse conta do frio. Ela lhe disse que nunca tinha lhe falado que gostava de crianças. Ele lhe respondeu que ela nunca tinha lhe dado oportunidade.

[a voz silenciosa]



Os pés que andavam pelos corredores cautelosos. O barco ia levando aqueles sonhos. Pensamentos que se divertiam apenas em imaginar as ruas com seus sorrisos saudáveis. Iam pacienciosos. Nada mais de pressa, um sono de paciência e espera. Os que descansarão que descansem em paz.

Tudo que vai , volta. As visitas vão e voltam, a enfermeira vai e volta , a respiração vai e volta. Ele vai e volta.

Uma sexta-feira que lá fora, bem perto daqui tomavam boa cerveja gelada, bom beijo quente, boas risadas. Entendo só agora porque ela nunca conseguiu amar. Tinha se misturado com aquele ambiente sem brilho. Uma madeira tão bonita que nunca achou artesanato. Se rodeou de tudo que era duro, comprado, pra sempre e se assegurou que com aquilo seria forte. Sua vida para agora ficou tão frágil, que mal suportava o vento de um dia com amor e outro sem. Resolveu nunca mais amar alguém de verdade para não adoecer. É evidente que dia que outro, por causa detudo isso, foge para dentro de alguns comprimidos.

Escutou a voz silenciosa da porta dizendo boa noite: o sono não entrava. Mas e agora, será que quando voltassem para casa o pai seria metade do mesmo? Um pouco mais da metade não era pedir muito - comentou com o travesseiro esperando que Deus lhe ouvisse.