sexta-feira, 31 de julho de 2009

Estrelas.


A estrela menor pergunta para a maior o que fazem eles sentados olhando para nós se estamos tão distantes? Ficam sonhando responde.


Os namorados diante da estrela mais próxima, a Centauri, que está a 4,2 anos luz, faz juras eternas. Centauri de olhos bem abertos atenta ao pedido pequeno como arranjar um emprego, passar no vestibular, comprar a casa própria ou até mesmo que no próximo fim-de-semana não chova. Centauri vai mandando um piscar de olhos aqui e outro ali. Uma beleza para cá e outra para lá. E em algum lugar da terra surge uma canção tão bonita que mesmo os desafinados cantam ela com harmonia. Quando os pedidos parecem impossíveis dizem que o trabalho fica mesmo para a Alpha Orionis, a maior de todas elas.


Alpha Orionis é muito séria, filosófica e como conta Vênus elege para si a dor do mundo. Aquele que se senta e chora pelo filho que virou estrela, pelo câncer que não tem volta, pelo soldado que está na guerra, pela criança que não se alimenta, por aquele que folheia os livros e não lê por não ter ido à escola. Quando Alpha Orionis recebe muitos pedidos para que os homens compartilhem a abundância, aumentem a benevolência, sejam mais amáveis e justos, tenham mais fé e luz. Estes pedidos que aparecem muito no Natal, então a gigante desaba e chove. A chuva lava a dor.


Mas é mesmo a Sirius, que possui um brilho 26 vezes maior do que o Sol, que coleciona as mais extravagantes e peculiares tarefas. A tarefa de trazer o filho que sumiu de casa, de fazer a dieta dar certo, de tornar a tentativa em uma gravidez. Nos ouvidos de Sirius está à vontade do verdureiro de se tornar dono do seu próprio supermercado, do artista fazer seu best seller, de fechar o negócio, de salvar o casamento, de parar de fumar, de dar fim aquele efeito sanfona, de acertar na mega sena, do time ser campeão, de ouvir um milhão de confissões de amigos bem embaixo de seu nariz e guardar segredo. Gani medes, Titan, Phobos, Sinope e Sharon adoram uma fofoca, os satélites têm língua de trapo. Não há o que escutem que não queiram imediatamente colocar na boca do universo.


Sirius está sempre alegre e radiante para o poeta, quer que sua arte continue fazendo pessoas apaixonadas. Para atriz e para o ator – quer que mesmo com casa vazia, vazio seria o mundo sem um tablado. Para o pintor – quer que mesmo não tendo conseguido um Vernissage em Galeria e vinho branco, permaneça pintando um arco-íris no caderno da menina que vai para o seu primeiro dia de aula. Para o músico – quer que reduza com suas cordas essa corda no pescoço que vivemos.


Nas cidades grandes não dá para ver muitas estrelas. A luz artificial vinda dos outdoors, dos back lights, dos front lights, das vitrines, dos automóveis, dos prédios faraônicos, dos poste, desse medo de sentar na calçada e olhar para cima, ofuscam o nosso sonhar.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Tributo.


Folhas secas de outono. É isso que o artista se torna quando não sente mais a carícia de quem o admira.

Vestia uma dessas coisas que não sem bem o nome, mas era verde água. Seus olhos e seu corpo tremiam e a cada compaço sua pele sentia dores de prazer. Não estava lá só para cantar, estava lá para que outros cantassem através da sua voz. Não era apenas um ofício, era uma entrega. Um berço, um terço, uma oração.

Tinha uma prosperidade no abdomém, digo isso, porque aprendi com os experts no assunto que os tons não saem pelas cordas vocais, mas é o ar que faz a diferença. Então, a sala pequena, tinha o seu gás. Ou melhor, era safra boa da sua Adega.
Ninguém se denomina de Renata Adégas se não é safra de algo muito bom de se degustar. Sua voz se derramava pelos ouvidos da platéia.

Não. De forma alguma tentou por algum momento incorporar Elis Regina. Durante aquela hora se encontrou com Elis, o que me parece ter sido uma felicidade para ambas.

Porto Alegre é o único lugar que conheço que após assistirmos um show totalmente intimista podemos descer um andar e ir ao supermercado para comprar leite e pão. Isso dá ao ambiente uma atmosfera de Luxus Populi. Ao mesmo tempo que ainda penso nos olhares impressionados, nos namorados aproveitando o romantismos, lembro que no andar de baixo a empregada disse para sua patroa não esquecer o limpa-vidros.

A Renata deve ter ido para casa. Ou essa noite resolveu dormir com seu namorado. Seus olhos se enxeram de lágrimas quando alguém na platéia gritou por seu nome. Meus olhos foram partidários da emoção dela e também resolveram criar poças que desfarçadamente fui obrigado a secar.

O amor está a solta. É só dar uma cordinha e a pipa sai voando. Não vejo razão para sermos solitários. Imagino que há uma questão de endereço errado, do email que nunca vai para caixa postal que espera, do onde, quando, como e porque. Duas pessoas que estivessem uma do lado da outra naquela noite poderiam se beijar sem medo de que aquele beijo fosse uma invasão de privacidade.

Quando a bola está sobre a linha do penalti é sempre mais fácil fazer o gol do que defendê-lo. Quando a lua é cheia sempre é mais fácil falar de paixão do que quando a lua é minguante. Quando a luz é de velas, por incrível que pareça é mais fácil de ver os olhos de quem está diante de nós. Quando sabemos a receita é mais provável que acertemos o bolo. Provavelmente tenhamos que nos colocar a disposição. Talvez não basta apenas um banho de mel para adoçar o coração de quem não chega.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Fantasmas.

Fantasmas perambulam a cama de Arquimedes. O filósofo não tem porque dar Eureka. Mesmo depois de ter inventado o grego, a hidrostática e outras tantas e tantas descobertas, não conseguiu solucionar uma fórmula simples - declarar-se para Ádria.

Remeteu correspondência para Venécia, pediu ajuda para os Etruscos, mas não teve coragem de vencer o Mar Adriático e mesmo com a alavanca tornou-se impossível mover esse mundo. Mundo tão fácil. Bastavam algumas palavras, um punhado de verdade nos olhos e química. Essa que vem pela pele, pelo enxame de estrelas, pela aurora, por aquilo que talvez Arquimedes tenha nascido sabendo, mas que o saber filosófico tenha guardado tão profundamente, que não consegue encontrar mais.

O que não chegou não está perdido. Não se sabe a profundidade do rio até se nadar nele. A regra é a primeira exceção do fato. Mesmo depois de tanto tempo não usando açúcar não quer dizer que o próximo café não possa ser doce. O beijo é o início, porque todo início está na boca, sendo assim é dia e é noite.


Tinturas. Eles ligaram e sorriram. Deram felicidades e disseram alguns elogios para Arquimedes. Mas pouco auxiliou naquele momento, seus ouvidos estavam sem olhos e os ouvidos precisam de olhos para ver o que há de bom. O mais hilariante é que quanto menos há luz, mais nossos fantasmas se tornam luminosos.

sexta-feira, 24 de julho de 2009




Tempo solitário. Olhando para as luzes da rua.
É sempre uma coisa crua esperar.
Temos que esperar o sim, o emprego, o amor. Nos cansamos de esperar. Esperamos aquele presente que a tia não trouxe no dia do aniversário e jura que no próximo encontro trará.
É espera daqui e esperar dali. Espera-se um almoço com alguém que faz dez anos que não vemos. Um horário na agenda da cabelereira. Espera-se ser padrinho algum dia. Tempo que não passa. Que não anda. Tempo que dá vontade de ir no banheiro, tomar mais um café e para os fumantes, tempo que se fuma muito além do normal. Tempo de andar de um lado para o outro no escritório, na sala de maternidade, na fila do caixa, na lista de espera para o doutorado. Tempo que se faz um buraco no carpete, no areião da praia, arraiâ-se a mesa com as unhas.
Esperar sentado na calçada contando as formiguinhas que carregam suas folhas para alimentar seu povo. Tempo de não esquecer que também há tempo para ser cigarra. Ser obstinado, mas não esperar muito tempo para tirar férias.
Esperar nove meses para ser mãe. Esperar para ver o bebê nascer saudável. Esperar a febre baixar. Esperar o menino vencer sua dificuldade para se alfabetizar. Esperar o torcicolo sumir. Esperar o pessoal vir e concertar a rede elétrica, os vazamentos. Esperar o dólar subir ou o dólar cair. Esperar ela partir ou ele chegar, ela chegar ou ele partir. Esperar que a vida mude e alguém nos de bola. Esperar o gol. Aceitar o impedimento. Esperar a vez. Esperar a reserva.
Como envelhecemos rápido. Como amadurecemos devagar. Tempo para ver o por-do-sol. Tempo para ver o sol nascer. Esperar um dia fazer sucesso. Esperar os filhos irem para faculdade. Tempo para ir em casa e ver se a vó está bem. Tempo para cuidar da nogueira. Esperar que os irmãos tenham sempre o melhor da vida. Esperar que alguém espere por nós: no aereoporto, na cama, debaixo dos lençóis, no restaurante, para tomar um café expresso.
Não dá para ir se o coração diz para ficar. Esperar pelo beijo e o seu sorriso matreiro nas terças e quintas. Esperar se vai sair a bolsa. Esperar que ela volte da França. Esperar os dois chegando do Rio de Janeiro. Esperar que esse agora seja um bom marido pra ela. Até porque ela esperou tanto. Esperar que a única doença dele seja essa pinguinha de vez enquando.
Tempo para acreditar que a paz vale a pena. Tempo para ouvir música. Tempo para não se abrir mão de que haja vida após a morte. Ela morreu tão cedo. Não encontrá-la nunca mais é tempo demais.
Esperar que o tempo do nada seja completo. Esperar que o tempo vazio seja preenchido. Esperar o inesperado. Esperar ter acertado e quando se agiu errado descolar um tempo para pedir desculpas.
Esperar a água para lavar. Esperar o fogo para queimar. Esperar a terra para florescer. Esperar o ar para ir. Todo tempo é tempo para tentar de novo. Todo tempo é tempo para fazer a chama arder. Todo tempo é tempo de colheita. Todo tempo é tempo de se oxigenar. Esperar que mesmo esperando não se esteja parado.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

PLATONICIDADES

Basta-me vê-la. Dou ação de graças que sei o seu primeiro nome.
Quem não viveu um grande amor que não se sabia nem onde encontrá-lo, que não se tinha se quer o seu endereço para enviar uma carta anônima. Um grande amor de sobrenome velado, um grande amor de destino velado, um grande amor com uma vida velada.
Quem não viveu um grande amor que como do nada surgiu e pelo nada surpreendentemente poderia entrar pela porta. Ligasse da rodoviário dizendo que tinha chegado. Um amor que esperávamos anciosamente um sinal, um telefonema, um escrito nos vidros do carro, um cartão de visita embaixo da porta.
Então daí poderíamos nos permitir as coisas mais impertinentes e loucas. Nós loucos de amor pela rua, nós loucos de amor no Ibirapuera, nós loucos de amor na Redenção, nós loucos de amor na Lagoa. Sair atrás desse amor no guia telefônico, ir à lugares esperando esbarrar coincidentemente com ele. E o amor ali sentado, a nossa espera, no nosso aguardo. Um encontro clandestinamente marcado pelos anjos. Disistir de compromissos e permanecer mais tempo no trabalho, pois ele poderia passar embaixo da nossa janela.
Um amor que os encontros mais reais foram em sonhos, os beijos mais reais foram em sonhos, as declarações mais reais foram em sonhos. Quantos pecados aquele despertador cometeu com o nosso amor.
Os tempos de hoje são tão hipermodernos, tão alucinantes, mesmo em eras de contatos virtuais, são acessos com necessidade de tantas construções. Há tão pouco espaço na sociedade do ficante, do para agora, do imediato, dos interruptores, onde o enter e o delete são acionados com tanta facilidade. É tanta gente regida pela lei de Maomé, ver para crer ou crer para ver. Qualquer coisa do genêro, mas um genêro sempre definitivo, descimal, minuciosamente controlado, estatisticamente comprovado.
Terapeutas, marxistas, liberalistas, weberianos, estruturalistas, hipocondriacos, realistas, concretistas, racionalistas, imperialistas não toque nesse meu amor. Deixem-nos viver nossas platonicidades.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

DIA INTERNACIONAL DO AMIGO


Amigo

Amigo é coisa bem boa,
Mesmo depois de anos
É samba, batucada, pensamento que voa.

Amigo dá pra contar nos dedos
Porque só eles também vão contar para seus amigos
Aqueles nossos mais íntimos segredos.

Amigo é lanterna,
É ninho,
É assunto
É brique da Redenção
Roda de Capoeira e chimarrão.

Amigo é livro
Beijo que se esquece
Cinema e confissão.
Troca de poeminha
Musica do poetinha
Olá, já vou, até então.

Amigo é janta dividida
Pedágio um para cada um
Combinação, combinação e mais combinação
É conselho com direito a missa e procissão.

Amigo é janela,
Remédio,
Raspa de panela.
Ciência de se ver todos os dias
Com prazer e sem tédio.

Amigo é inspiração
Pétala, aurora, chantilly
Ressaca e composição
Talvez por isso sua melhor casa na gente
Seja mesmo o coração.

sábado, 18 de julho de 2009

Marília olhava pela porta da fechadura, fresta pequena, olhos exigentes. Marília sonhava e sonhava. Moça elegante. Elegante no vestir, elegante no trato com as pessoas, elegante nos hábitos domésticos e nos mais simples afazeres. Na pequena adega guardava duas garrafas de vinho de melhor safra, aos sábados , mais que nos dias de semana a casa se apresentava como um brinco.
Só nos fins de semana colocava sobre a mesa de centro da sala o vaso de porcelana herdado de sua bisavó e meia dúzia de flores do campo. Também nesses dias no jantar era salmão. Esperava a visita de seu amor por ali. Pobre Marília. Anos se passaram e nunca se deu conta que era só abrir a porta que João estava no outro lado.

sexta-feira, 17 de julho de 2009







Primeiro ele a procurou entre as saudades. Remexeu as gavetas, vasculhou antigos bilhetes, botou um milhão de caixas que se empoleiravam no armário para baixo. Mais uma vez olhou todos aqueles retratos onde as imagens iam sendo trocadas por um só tom de amarelado.
Aqueles foram dias que riu e chorou sozinho. Confessou a si mesmo como o passado era inimigo do presente. Quantas coisas, pessoas e afazeres guardados. Onde estariam todos?


Mas ela não estava ali. Nos seus pertences, sobre ela, agora só restava a lembrança dos cabelos encaracolados, o castelo que construíram juntos na areia e a lua. Só tinha dela esse pequeno raio de sol que qualquer nuvem passageira pode cobrir. Dormia e não sonhava com ela. Acordava e ela estava em seus sonhos.
Deserto, caminhamos com sede nos pés. O homem com seu boné folheia o livro, mas navega mesmo é entre o assunto das palavras que flutuam no ar próximas a mesa de outras pessoas.


Seus dias andavam melhor quando o vermelho da porta do cinema acendia apontando a saída. O torpor e a terapêutica são a mesma clínica. Sem sono via que o incenso ia chegando ao final. Tinha um cheiro gostoso no ar, mas o restante eram cinzas. Na porta da geladeira um imã que guardava na esperança de um dia ele e ela virem a se reencontrar. Existiam tantas histórias com finais felizes nesses programas de televisão e em filmes. Eles também poderiam fazer parte delas.


Olhava para mesa de jantar e imaginava os dois ali. Não tinha loucura nesse desejo. A loucura é uma angústia interminável. Ela mais à esquerda e ele mais à direita. O sonho do não acontecido é o que permite ao acontecer o seu movimento. O mundo não realizado está sendo editado no mesmo espaço de tempo do realizado. Aqueles que se demoram não sabem que o esperar é mais que a morte.


Levou flores para casa, colocou um velho disco, ainda de vinil, para tocar. Colocou as flores no jarro e aguava as plantas do parapeito da janela quando viu a moça entrar no prédio em frente. Pensou em berrar, mas só admirou.

Admirou-a abrindo o portão, sentiu quando chamou o elevador e subiu, ouviu parar no quarto andar, acompanhou seus passos até a porta do seu apartamento, as luzes se acenderam, a bolsa ser jogada sobre o sofá e o sapato de salto alto vir em direção da janela que dá de frente a dele.
A janela de correr então se abriu.






Dia – Logos

Tão infinitos poderíamos ser se aceitássemos que para pensar basta um céu, estrelas e um amor. Mesmo que emaranhado, embaraçado, o amor em si contém seu próprio céu, suas constelações e feito imortal, não é passageiro, mas permite-se passagem para um novo amor. De matéria que a carne não possa medir, o amor dá aos cegos olhos e torna olhos cegos. Por isso que nem filosofia, poesia, religião ou mesmo etnia, darão o veredicto final. Pagão e espirituoso, nem na cruz, nem na espada, reza o seu amanhã. Sua fidelidade não se cumpre nem na fantasia, muito menos na imaginação, mas ao sonhar.