quarta-feira, 22 de julho de 2009

PLATONICIDADES

Basta-me vê-la. Dou ação de graças que sei o seu primeiro nome.
Quem não viveu um grande amor que não se sabia nem onde encontrá-lo, que não se tinha se quer o seu endereço para enviar uma carta anônima. Um grande amor de sobrenome velado, um grande amor de destino velado, um grande amor com uma vida velada.
Quem não viveu um grande amor que como do nada surgiu e pelo nada surpreendentemente poderia entrar pela porta. Ligasse da rodoviário dizendo que tinha chegado. Um amor que esperávamos anciosamente um sinal, um telefonema, um escrito nos vidros do carro, um cartão de visita embaixo da porta.
Então daí poderíamos nos permitir as coisas mais impertinentes e loucas. Nós loucos de amor pela rua, nós loucos de amor no Ibirapuera, nós loucos de amor na Redenção, nós loucos de amor na Lagoa. Sair atrás desse amor no guia telefônico, ir à lugares esperando esbarrar coincidentemente com ele. E o amor ali sentado, a nossa espera, no nosso aguardo. Um encontro clandestinamente marcado pelos anjos. Disistir de compromissos e permanecer mais tempo no trabalho, pois ele poderia passar embaixo da nossa janela.
Um amor que os encontros mais reais foram em sonhos, os beijos mais reais foram em sonhos, as declarações mais reais foram em sonhos. Quantos pecados aquele despertador cometeu com o nosso amor.
Os tempos de hoje são tão hipermodernos, tão alucinantes, mesmo em eras de contatos virtuais, são acessos com necessidade de tantas construções. Há tão pouco espaço na sociedade do ficante, do para agora, do imediato, dos interruptores, onde o enter e o delete são acionados com tanta facilidade. É tanta gente regida pela lei de Maomé, ver para crer ou crer para ver. Qualquer coisa do genêro, mas um genêro sempre definitivo, descimal, minuciosamente controlado, estatisticamente comprovado.
Terapeutas, marxistas, liberalistas, weberianos, estruturalistas, hipocondriacos, realistas, concretistas, racionalistas, imperialistas não toque nesse meu amor. Deixem-nos viver nossas platonicidades.

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