sexta-feira, 17 de julho de 2009



Primeiro ele a procurou entre as saudades. Remexeu as gavetas, vasculhou antigos bilhetes, botou um milhão de caixas que se empoleiravam no armário para baixo. Mais uma vez olhou todos aqueles retratos onde as imagens iam sendo trocadas por um só tom de amarelado.
Aqueles foram dias que riu e chorou sozinho. Confessou a si mesmo como o passado era inimigo do presente. Quantas coisas, pessoas e afazeres guardados. Onde estariam todos?


Mas ela não estava ali. Nos seus pertences, sobre ela, agora só restava a lembrança dos cabelos encaracolados, o castelo que construíram juntos na areia e a lua. Só tinha dela esse pequeno raio de sol que qualquer nuvem passageira pode cobrir. Dormia e não sonhava com ela. Acordava e ela estava em seus sonhos.
Deserto, caminhamos com sede nos pés. O homem com seu boné folheia o livro, mas navega mesmo é entre o assunto das palavras que flutuam no ar próximas a mesa de outras pessoas.


Seus dias andavam melhor quando o vermelho da porta do cinema acendia apontando a saída. O torpor e a terapêutica são a mesma clínica. Sem sono via que o incenso ia chegando ao final. Tinha um cheiro gostoso no ar, mas o restante eram cinzas. Na porta da geladeira um imã que guardava na esperança de um dia ele e ela virem a se reencontrar. Existiam tantas histórias com finais felizes nesses programas de televisão e em filmes. Eles também poderiam fazer parte delas.


Olhava para mesa de jantar e imaginava os dois ali. Não tinha loucura nesse desejo. A loucura é uma angústia interminável. Ela mais à esquerda e ele mais à direita. O sonho do não acontecido é o que permite ao acontecer o seu movimento. O mundo não realizado está sendo editado no mesmo espaço de tempo do realizado. Aqueles que se demoram não sabem que o esperar é mais que a morte.


Levou flores para casa, colocou um velho disco, ainda de vinil, para tocar. Colocou as flores no jarro e aguava as plantas do parapeito da janela quando viu a moça entrar no prédio em frente. Pensou em berrar, mas só admirou.

Admirou-a abrindo o portão, sentiu quando chamou o elevador e subiu, ouviu parar no quarto andar, acompanhou seus passos até a porta do seu apartamento, as luzes se acenderam, a bolsa ser jogada sobre o sofá e o sapato de salto alto vir em direção da janela que dá de frente a dele.
A janela de correr então se abriu.

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