quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Monólogo II

Nunca estiveram juntos. Sempre estiveram sós. Sua única certeza é que Platão convivia entre eles. Ela teme que o real possa
matar o sonho.




Ele se indaga quando o sonho teria nascido? Trocavam amores que não se viam e não se tocavam. Um monólogo dentro de um diálogo.

Bergamota.


Naquela estação de inverno não tinham margaridas. A angústia era tanta e maior, como poderia saber se realmente era “bem me quer” ou “mal me quer” o sentimento que ela confessava por ele. Procurou o Padre na sacristia, mas o danado homem de Deus deu voltas e mais voltas. As dúvidas continuaram fritando seus sonhos como pequenos demônios em véspera do juízo final.


Sem que ninguém visse, já tarde da noite foi a casa de uma benzedeira. Mulher misturada com bruxarias, que tirava moléstias, afastava espíritos da doença e até mesmo fazia aconselhamento de dores de traição. Ela jogou suas pedras azuladas sobre um tecido negro, mas nada que acalmasse a correnteza de suas águas. Tipo: vai Lituano, junta tua pequena casa e móveis, tua honestidade e vontade de trabalhar, com a alegria de pitangas vermelhas dessa moça que foi encomendada para ti.

A romaria continuou. Foi ter com amigos, passou na venda e discretamente interrogou seu Ananias, até a velha gorda que entregava doces não foi poupada. Em um passo forte de umas duas horas de caminhada só lhe restou o homem que diziam ver e conversar com as estrelas nuas. Dizia a lenda que cada peça que elas no céu iam vestindo era resposta para um acontecimento. O tal velho ermitão só vinha de dois em dois meses a cidade, inclusive as provisões e seu pagamento, o carteiro mesmo se encarregava de entregar. O jeito era mesmo ir até o homem.

Ele lhe pediu a hora e data de nascimento de ambos e fez alguns apontamentos num grande mapa enquanto falava de física, matemática e biologia. Disse que Astronomia era uma ciência que podia prever o clima no decorrer do ano, investigava as marés, a interferência da luz forte do sol sobre o lado oculto da lua.

O vento cantava por uma janela entre aberta, como se participasse do assunto dando um pitaco aqui e outro muito, mas muito longe, uivado ali. Mas o velho ermitão, quase que surdo, não dava ouvidos e ia tecendo um emaranhado de teorias que não o tiravam do mesmo círculo. Nada mais esclarecedor de que todos os outros que tinha consultado. De forma apaixonada ia descrevendo seu conhecimento enquanto descascava vagarosamente uma bergamota, fruta cítrica que adoça quando o pé se veste de branco com o cair da geada.

Com um ar muito entristecido Lituano pegou o mapa que o velho lhe presenteou e despediu-se. O velho perguntou se não levaria a bergamota. Rapidamente passou a mão na fruta e partiu. Na volta foi comendo e para cada gomo, resolveu agir da mesma forma que se age com as margaridas, um era “bem me quer” e o outro era “mal me quer”. Para sua alegria, quando acabou de comer a fruta, a resposta era bem me quer.

Na noite que o Padre lhe dava estremunção, Lituano pedia perdão por seus pecados e pelo maior deles que tinha sido dar uma vida tão amarga para ela. Não que naquela tarde a bergamota estivesse azeda, mas que daquele dia em diante esqueceu que as bergamotas não se adoçam por si só.

Monólogo I


O que se faz quando se espera uma notícia única? Um olhar único? Uma palavra que seja apenas para nós? De que é composto o amor se não de vários pequenos momentos, que não ocupam lugar, mas expandem o tempo. O retrato daquela viagem, daquela manhã de sol, daquela música que marcou o primeiro encontro, o silêncio do admirar, a água chiando e o café pela tarde. Tarde que vagabundeava na rede.

O amor que não chega a sua conclusão é o pior amor vivido. É o amor que disse sim dizendo não e disse não quando deveria dizer sim. Não somos culpados por aquilo que fazemos e não dá certo, nos culpamos por aquilo que não fazemos. A vida fica mais pesada quando nos separamos de nós mesmos. O trem da esperança, o trem pintado de verde, o trem que acredita, desmaia. Não são os amores perdidos que impedem que novos entrem, é a previsão do tempo. Insistimos em sempre prever tempo de chuva para amar novamente.

Cadê aquele espírito de meninos que se jogavam de cabeça em qualquer mar? O que fizemos de nossos diários que colávamos corações e mais corações? Íamos para as festas e esperávamos uma noite inteira só para que pudéssemos dançar uma música lenta bem juntinho com o nosso amor e voltávamos sonhando até a próxima festa ser marcada novamente.

Nada me tira da cabeça que amar é a matemática sem números. Nunca ninguém ganha nem perde. Não se coloca numa máquina registradora os beijos dados, os abraços conferidos, as meigas palavras. O amor é uma conta que quem conta só perde.


Insistimos em não andar. No amor tem acontecido o mesmo. Não andar economiza os sapatos, mas também como descobrir se eles são macios ou podem vir a ficar macios.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Levar a alegria para passear.

Com uma dessas coleiras comprada em petshop exclusivo, levava a pequena cachorrinha com pedigree e ancestralidade para passear, mas não bastava. Adquiria quadros adoráveis na galeria de sua amiga que os trazia especialmente para ela de Barcelona, mas uma realidade paralela vinha lhe acordar exatamente às 3h15min e para ambas irem dormir sossegadamente, só após alguns calmantes.




Tinha o corpo em fogo e sentia um ciúme doentio que queimava em relação a empregada. A mulherzinha de pouca estatura, que não se podia tirar para feia, mas que para bonita também não servia, lhe dava vulcões com larvas que ficavam trancadas e nunca escapavam para a superfície. Mas o que há desconcertava mesmo era ver a outra remexer os quadris grandes por dentro da casa como se estivesse sempre numa escola de samba, imagine na rua. Taxativamente proibiu a cachorra de passeios com a Margarida, era evidente que todos os viralatas da redondeza já as esperavam para apreciar o desfile infinitamente sedutor.

Em tempos que a crise era maior arranjava afazeres para empregada para torná-la fragilizada, menor. Depois se deprimia, dava-se conta, trazia pequenos agrados e recolhia vestidos fora de uso e a presenteava. Várias vezes pensou em mandar Margarida embora, mas era exatamente o bolo de fubá, as histórias da noitadas na gafieira e até mesmo confidências de uma vida sexual picante que a faziam mudar de idéia. Não era muito simples de aceitar que Margarida era seu tesouro e mesmo bem paga, não tinha preço.

Convidou Margarida para um chá e a mulherzinha foi no fogão e esquentou um café e pingou leite gelado dentro. Com a xícara na mão sentou-se a sua frente e sem eira nem beira começou a falar. Quando se é ,sem ter nunca sido, passe um bom batom vermelho nos lábios, coloque uma saia justa e um sutiã bem apertado destes que os peitos quase pulem para fora da blusa e leve sua alegria para passear. Dois meses depois separando a correspondência Margarida viu um extrato bancário de uma escola de dança de salão.

Caixas.



Às 16h30min a bolsa estourou. Não acharam o obstetra e o parto foi nanutal mesmo. Fazia muito calor naquele mês de abril. Para uma família de oito, aquela raspa de tacho, era uma pérola.

Belos caixos que balançavam ao vento. Os cabelos cor de mel escureceram, as pequenas mãos que alcançavam milho para os patos amadureceram e logo, sem que as vistas pudessem acompanhar, se tornou uma adoslecente. Devia ter pouco mais de sete anos quando perdeu a mãe. Era julho, talvez não chovesse, mas para eles devia estar chovendo.

Trazia pequenos versos escritos em folhas de papel para o irmão ler. Queria que ouvisse suas histórias. Ele ouvia. Algumas vezes a contragosto, mas mesmo assim as ouvia. Perdeu as contas de quantos verões e primaveras, foram invernos e outonos. Esteve muito só. Nunca disse a ninguém que sofreu, mais tarde reconheceu que sofreu. Nunca disse que rasgou páginas do seu diário, derramou lágrimas no seu travesseiro e deve ter apregoado tantos desaforos a Deus por ter levado sua mãe. Mas Deus não a castigou, quem sabe ele tenha dado razão a ela?

Está na hora de embarcar. Eles Estão todos muito felizes que ela vai para França concluir seu Doutorado, mas mesmo assim estão chorando. Choramos também quando estamos felizes. Na Casa da Dinamarca na França vai guardando suas recordações nas caixas. Nas caixas cinzas coloca as tristes, nas caixas rosas coloca as lembranças de quando o irmão foi buscá-la na primeira reunião dançante, seu primeiro namorado, a formatura. A caixa azul, deixa a tampa aberta, o marido não tarda e chegará do Brasil, essa é a caixa que reservou para os momentos felizes.

Armazéns [Bienal 2005 - Porto Alegre]


Os armazéns estavam lotados. Ele adorava as coisas que eram coloridas. As coisas coloridas coloriam seus olhos. Seus pés pequenos caminhavam sobre os enormes armazéns. Via-se em outro mundo. Num mundo onde sombras desenhavam enormes homens, sucatas se transformavam em naves, bobinas gigantes pareciam...Não pareciam com nada. Só eram bonitas e surpreendentes porque eram gigantes.

Em nenhum momento deu muita bola para o que era preto e branco, feio, sujo ou triste. Queria entrar várias vezes na casa de pelúcia cor de rosa, queria uma casa de pelúcia azul, porque era cor do seu time. Não fazia questão das lágrimas, ainda não carregava lenço no bolso para secá-las.

Outrora os armazéns do porto tinham servido para armazenar cargas que vinham de longe. Ele olhava o rio e imaginava os navios chegando. Estacionando seus grandes cascos, descendo suas ancôras e seus marinheiros com seus quepes branquinhos como blocos de neve. Estava surpreendido pelos guindastes e seus braços de metais. Queria ser um daqueles que no passado, de dentro das cabines, era o comandante daquele leva e trás.

Muitas mulheres bonitas. Lindas dentro daqueles armazéns. Algumas com sapatos de saltos, outras com seus filhos a tirá-colo, outras ainda dentro de seus jeans que desenhavam suas curvas. Seios que conversavam com as esculturas, ventres que opinavam nas instalações, sorrisos que sorriam para as camisas brancas penduradas, mas que também flertiavam com outros sorrisos. Essas obras de arte ele não viu. Era cedo ainda para ele ver.

Naquela tarde confirmou algo que já sabia e seria a primeira coisa que contaria na escola segunda-feira para sua professora da 1º série. Armazéns são lugares feitos de pessoas que querem tocar em tudo porque tudo dá vontade de levar para casa. Como os da esquina da casa dele cheios de balas e chocolates, carnes e verduras, ou como aquele cheio de sonhos.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Substituto.




Deixou no varal a roupa quase que fraterna das 12 horas de trabalho. Antes deu uma boa lavada na camisa que ainda continha pingos de sangue. Foi ao banheiro e escovou os dentes, lavou o rosto e não eram ainda 7 horas quando deitou-se e dormiu.

O relógio não marcava 16 horas quando foi ver o que acontecia entre uma calçada e outra. Comprou alguns doces e deu para o menino que brincava na gangorra. Viu quando a mãe mandou o filho colocar os doces fora, mas não se abalou. Perto das 18 horas foi ao cinema e duas 2 horas mais tarde estava em casa.

Deixou dentro do armário o homem doce que era, pendurou o coração no cabide e os olhos colocou dentro da primeira gaveta. Banhou-se para tirar o perfume e separou as correspondências. As que eram para Petterssen ficavam sobre a mesa e as que eram para Linardi embaixo do colchão. Fez uma ou duas ligações. As que eram para Ana, a voz era ríspida, as que eram para Lizete, a voz era melosa e apaixonada.

Na primeira página do jornal de domingo Petterssen inaugurava mais uma amostra de várias obras de arte com um contorno suave da anatomia feminina. Linardi leu aquilo e amassou a reportagem e a colocou para queimar junto a lareira. É impossível acabar não sendo do jeito que os outros acreditam que você é.

Hipertensão.


O médico disse que ele teria que tomar aquele beta-inibidor.

E as contra-indicações? Perguntou-lhe quase que automaticamente.

Calmamente o médico lhe anunciou que baixaria o seu rendimento na prática esportiva, na prática sexual, mas com isso não teria nenhum risco de morte súbita.

Pensou ele cá com seus botões. Um coração que nadará mais devagar, que correrá mais devagar, que fará amor mais devagar, que não viverá mais ofegante. Que coração desmaiado seria aquele?

Por vários meses tomou o remédio. Até que um dia voltou ao consultório.

Doutor? Sinto falta do meu antigo coração. Aquele que pulsava mais compulsivamente.

Ele pode estar curado, mas não alegre. Sinto que as outras partes do corpo estão entristecendo. Desde então, guardou o beta-inibidor na gaveta e se deixou viver com alto risco de morte súbita.

Casamento.





Uma mulher que ensinava. Lecionar sempre foi seu grande sonho.
Naquela época chamavam de MOBRAL, alfabetização de maiores. Dn Neuza conseguiu a vaga de professora e logo tinha uma turma que chegava aos trinta alunos.
Mais tarde e com relativa intimidade descobriu que a maioria deles viviam em pecado. Grande parte dos seus alunos não eram casados.

Na tarde de 23 de agosto foi até a Igreja ter uma conferência com o Padre. Diante do pastor, explicou-lhe a situação e seu desejo. Para aquela professora devota, fresqüêntadora assidua das missas, praticante determinada das escrituras, um casamento que não tinha as bençãos de Deus, era simplesmente a união de corpos. Para não dizer que se tratava de coisa do demônio, suavizava dizendo que era muito feio.

O Padre ouviu-la e mandou descançar. Após três dias, mais uma vez ela insistiu, e mais uma vez o padre mandou ela descançar. Isso se sucedeu durante quase duas semanas. Neste dia então, disse ao Padre que estava cançada de descançar e queria saber se casaria ou não os seus alunos.

Foi naquela manhã que jurou não ir mais as missas, não acreditar mais em pecado, crer num outro caminho de Deus e aceitar que este mesmo Deus poderia ser encontrado, quando nos encontramos com nós mesmos. O Padre nunca rezou a missa dando a benção de casamento para os Alunos da professora Dn. Neuza. E ela desde então passou a ensinar uma outra religião. A religião do amor.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Panacéia


Escondia de ontem algo de hoje. Seus olhos verdes se confundiam com os dos lobos e sua pele falava das noites sem prazer. Queria ser amante, mas sua igreja não permitia. Queria uma aventura, mas preferia a roda gigante, o pacote de pipoca e as amigas que lhe tinham como sacra.

Lina perdia o sono, os lençóis pela manhã tinham o cheiro de sonhos cheios de carícias e olhava pela janela, como se a janela também não guardasse um silêncio próximo a estupidez.

Fazia encontros secretos com livros proibidos que guardava em um armário que só ela tinha a chave. Guardava tudo. As lingeries mais ousadas, os vestidos com decotes que marcavam os seios, os miúdos biquines, um perfume intrigante que acreditava e teria comprado como afrodisíaco. Naquela doença, nas noites quando não tinha ninguém em casa, tornava-se a mulher desejada que desejava ser.

Na manhã seguinte ainda com a ressaca do champagne barato e das cigarrilhas fumadas uma atrás da outra, buscava um remédio para todos os seus males. Em novembro passou a tomar florais de bach que vinham lhe trazer tarde da noite quando toda casa se apagava e apenas uma luz vermelha ficava acesa. Pela manhã ela cantarolava pelo pátio e servia licor para os rasks siberianos, enquanto pendurava uma camisa branca e um jeans, olhando se ninguém a olhava. Algumas vezes Ângelo estranhava a insistência e a preocupação da esposa com as viagens e com os negócios, mas como na sua volta sempre esperava com o seu prato predileto, não a contrariava e saía em viagem.

Amar-se. Armar-se.


A vida é feita de pequenos detalhes. Infelizmente insistimos em pensar que são os grandes acontecimentos que nos mudam, auxiliam. Mas, são os pequenos detalhes que nos moldam. O hábito que faz o monge e não ao contrário. É assim com o corpo, é assim com o beijo, é assim no sexo, é assim nos relacionamentos.

Armar-se. Contras a possibilidade de bandidos entrarem em nossas casas, estar seguro depois da saída daquela aula que demos e se estendeu até mais tarde, de levarem nosso carro, de estarmos viajando e cairmos numa cilada, para ficar sozinho na praia, dos traficantes, das violências, perseguições, malvadezas, chantagens, roubos, corrupções, contra o abuso sexual, contra o abuso de poder, contra o abuso.

Amar-se. O dia de amanhã, o dia de ontem, o dia de hoje, o outro que chega para pedir uma informação, o moleque que pede uma moeda na sinaleira, alguém que se apaixonou por nós, alguém que passou a ter inveja de nós, o sorvete, a natureza, flores, beija-flores, a praia, os pais mesmo quando enchem o saco, o colega mesmo sendo chato, a vizinha que pediu mais alguma coisa, os bilhetes que estão na gaveta, o livro emprestado, as lágrimas, o sorriso, o poema, a música, a filha que nasceu, quem pode entrar para atrapalhar, a paz, a não violência, a terra, a Terra, aquilo que vemos e aquilo que não vemos, os olhos, o coração, amar a vida.

Não tenho armas e nem vou tê-las. Não acredito que nossas calamidades possam ser resolvidas por um 38 - guardado entre os abrigos do guarda-roupa. Não acredito que é possível que a camisa “Eu Sou da PAZ”, também possa enrolar uma pistola. Não acredito que a mesma mente que repete frases do Ghandi possa acreditar que a sua segurança, é uma escopeta atrás da porta. Não acredito que a mesma professora que não deixa os meninos levarem os Power Rangers para escola, pois não quer que se tornem homens violentos, tenha uma espingarda calibre 22.

Puxe da sua memória: de um jeito ou de outro vivemos armados e isso de nada tem adiantado. O medo só aumentou. A solidão é avassaladora. As drogas só se proliferaram. A fome é cada vez maior. A perspectiva de dias melhores para alguns é menos um. Sejamos honestos. Amor é o que falta. Aquele que em algum instante imagina a possibilidade de ter que matar, de alguma forma também já está morrendo.

Moeda de Troca


Mulheres adoram palavras amorosas, ainda mais quando estão escritas. Elas tem sabor de chocolate, flores, bombons. Talvez até criem mais impacto, porque são declarações infinitamente mais duráveis.
Mulheres guardam antigos retratos dos primeiros namorados, retratos dos acampamentos na praia, guardam flores dentro de livros para que sequem e tomem forma de coração. Guardam o tempo.
Mulheres reparam na roupa que se usou ontem e na que se usou hoje e preparam a roupa que se usará amanhã. Elas reparam o mundo que passa em volta e o mundo que dá voltas.
Homens logo esquecem a data do casamento, os chocolates, a primeira namorada, imagina lá a música que tocava no primeiro beijo. Homens geralmente estão envolvidos com dinheiro, com as contas que estão muito altas e que o telefone disparou. Raramente passa pela cabeça que os filhos periodicamente tem que ir ao pediatra, das revisões ao dentista, dos temas da escola, de ligar e ver com a baba se almoçaram.
Grande parte das mulheres gosta de ver seus homens na cozinha. Gostariam que algumas vezes assumissem a louça. Molhassem as plantas do jardim. Tomassem um pouco mais a natureza da vida e não apenas do escritório. Que fossem quem sabe mais homens e menos maridos. Elas pensam que poderiam ser um pouco mais amantes e sonham com eles mais amantes. Mas já estão muito duros para escrever, as pequenas declarações vão ficando na ilusão e a vida de ambos menos singela. Uma vida mais para leite desnatado do que para leite condensado.
Mulheres gostam de homens fortes, mas em alguns momentos querem eles doces. Mulheres gostam de homens extrovertidos, mas em alguns momentos querem eles tímidos. Mulheres gostam de homens, homens, mas em alguns momentos querem eles em lágrimas, como mulheres.
Cada vez mais, uma maioria de mulheres não precisa de dinheiro de seus homens. Na mercearia Ernesto pede um kg de carinho para o jantar. Seu Alfredo com rugas na testa fica com uma expressão de indagação.