segunda-feira, 26 de abril de 2010

[bruxos e bruxas]

Nasceu naquele lugar que nunca ultrapassou 5 mil habitantes. Tirando a igreja, o posto de saúde e o parque de diversões que só acontecia no primeiro domingo de cada mês, lá vez que outra se vestia um traje completo para um batizado ou um velório. Para o rodeio, para a lida ou para ir visitar o lugar que as mulheres de família não podiam passar nem na calçada para não serem difamadas, qualquer roupa servia, o perfume que tinha que ser do bem forte.


Desde sempre as novidades eram muito poucas. Um posto de gasolina na rua principal, uma sinaleira que a governadora tinha vindo exclusivamente inaugurar e angariar uma meia dúzia de votos e aquela padaria de uma família de estrangeiros. Tinham hábitos estranhos. Ao lado da padaria uma horta de divindades, gaiolas de pássaros penduradas no varal e ela, ele e as crianças usavam chapeis como do livro que tinha na biblioteca municipal intitulado Peter Pan.

Eles se acostumaram com aquelas esquisitices. Até que uma noite de novembro as crianças saíram vestidas, a menina de bruxa e o menino de bruxo, pedindo doces nas casas e ninguém deu. Permita – me a correção, Seu Antonio foi até o bomboniere de cristal e trouxe algumas guloseimas: balas de banana, chicletes, mandolates e outras porcarias que quanto mais nos tornamos adultos, mais damos uma vida para tê-las em nossos bolsos.

No outro dia era só o que se comentava dentro e fora das casas caiadas com janelas viradas para onde o sol nasce. Não presta dar as costas para o sol, ciganas que vendem lençóis e lêem uma vez por ano a mão daquela gente, plantaram uma crendice que quem faz ao contrário morre na escuridão. Ainda pela manhã misteriosamente o povo inteiro sabia que Sr Antonio tinha saído de casa e dado uma volta inteira pelo quarteirão, coisa que há mais de um quarto de século não fazia por causa de uma moléstia pulmonar. Logo ligaram ao presenteio e o presenteio ao milagre. Não acreditam em fantasmas, nem almas penadas, mas que bruxos e bruxas existem, isso eles festejam na praça para que o fututo não traga fantasmas.

[bambus]


Os vazios. Quantos vazios. Ela me interroga querendo saber se o filho é drogado? Porque não me interroga a razão do filho estar vazio?
Antes. Bem antes de toda essa parafernália de termos que correr atrás se sabe lá do que. De termos que investir em segurança, em mais e cada vez mais conforto, de termos que correr atrás e correr atrás, e correr atrás, tenho a sensação que corríamos mais atrás de nós mesmos.

Bambus e ocos. Frágeis e dobráveis. Multidões e mais multidões andam mais solitárias. Solitários e mais solitários andam no meio de multidões. Insistimos em acreditar que podemos trocar objetos por sentimentos, que presente é caixa de papelão.

Para onde será que irão os objetos? Os badulaques, as quinquilharias, os tênis de marca, o game boy, a tela de cristal líquido, a jóia, a prancha de surf último modelo, a chuteira do astro, a piscina, os quatro banheiros na casa de 25 cômodos? Muitos destes utensílios me parecem que tem parado nas mãos dos terapeutas. A sociedade das coisas como sofre do possuir.

Sempre se teve síndromes, muitas nem tínhamos conhecimento, mas repare que os consultórios nos dias de hoje estão cada vez mais lotados. Desde hiperatividade até casos bem sérios de esquizofrenia. Como dói ter e não se conseguir ser.

Antes. Bem antes de toda essa parafernália lembro-me que sentávamos nos trilhos do trem para ouvir seu apito, passeávamos de balsa, éramos levados ao cinema, nos ensinavam a jogar bola, a nadar, sentávamos para brincar de 3 Maria. A moça não tomava remédio para dormir. Dormíamos com e como os anjos. Confesso: não me lembro tão bem. Algumas dessas coisas sorri para elas em fotos.

Tinham as comidinha de boneca e as casinhas no fundo do quintal. E os bilhetinhos de amor, e as rosas, e os bombons, e o sorvete, e o passar bronzeador, e quando chovia: abraçávamos. Ficávamos embaixo dos lençóis a espera que mamãe trouxesse chocolate quente.

Inventaram escolinha para tudo. O quarto e o computador, uma babá implacável para pais sem fôlego depois de 8 horas enfadonhas de um trabalho enfadonho. O romantismo nessa tal hiper-modernidade foi engavetado. Todo mundo quer, mas todo mundo tem vergonha de querer. Bebe-se e bebe-se para que frases de amor possam subir do coração até a porta da língua. Mesmo com caixas de email abarrotadas de mensagens falando de amizade, ternura, afeto e carinho, nós continuamos vazios. Continuamos silenciosos.

O mais complexo para minha amiga não é que o filho dela possa estar metido com drogas. O mais complexo para minha amiga é se aproximar desse vazio, desse filho vazio. Aproximar-se não como falta de um ou de outro, mas os dois tendo à grande chance da vida deles de uma perspectiva de caminhar juntos e descobrir o que acontece lá nesse espaço que espera.

Chegar perto, bem perto. Onde dois possam se tornar um e cada um não se perca dentro do outro. Não dar amor porque amor não se dá. Estar em amor. Antes muito antes de toda essa parafernália nossos pais cantavam canções de ninar e isso nos fazia cheios de alegria.

[caminho]

É uma pena que sempre descobrimos as coisas quando já estamos no meio do caminho.


O corre-corre é tão grande. A angústia em ter é tão possessiva que estamos valorizando mais o tamanho das casas do que o tamanho dos seres que as ocupam. Estamos cada vez mais pobres. Estou certo disso.

Lembre-se que éramos mais românticos. Comíamos mais sorvete e colocávamos pipocas um na boca do outro. A vaca foi pro brejo. Isso tudo engorda, tem muita caloria. Estamos empobrecendo. Estamos pobres de prazer.

Cadê o prazer de uma boa conversa? Cadê o prazer de nos conhecermos? Cadê o prazer em trocar, em pedir, em receber, em ser amável? Ninguém é mais amável. Estou certo disso.

É fantástico como estamos pobres. Pobres para perceber que o outro nos quer. Pobres para perceber que estamos com medo de tudo. Pobres para tolerar que fizemos esta grande confusão e não queremos arrumar o quarto. Que tolice é isso tudo. Pessoas sendo mais bem tratadas porque tem dinheiro. Jovens que escolhem profissões porque dá dinheiro. Meninas que se expõem nuas para ter dinheiro no futuro. Realmente. É uma lógica meio cachorra. Talvez tenha sido sempre assim, mas está aumentando e tudo que aumenta chega uma hora que... Estoura.

Não me venha perguntar meu sobrenome e a família que descendo. Descendo da espécie que ainda acredita que vizinhos devem alcançar uma xícara de açúcar um para o outro. Sou daquele lado do mundo que chora no cinema. Fecho os olhos quando beijo e quando abro quero saber qual o tipo de compromisso teremos. Como um sonhador, eu ainda creio que as mulheres grávidas são as mais lindas do mundo.

Realmente esse mundo está muito violento. É violento ver gente safada na TV falando de ética e princípios. É violento acreditar que tem gente que não passou da graduação e dá uma de doutor. É violento também ver tanta preocupação com a violência e tão pouca com a fome, com o abandono, com a miséria, com a saúde. Somos todos muito violentos. Estou certo disso.

Seria bom para nós, sem excluir ninguém. Seria bom que entendêssemos que temos que ser mais misericordiosos, mais religiosos na acepção da palavra, mais sentimentais, antes que nos ensinem isso na marra.

A diferença está no sentido. Todos os dias há uma tragédia. Quando ela não vem do exterior vem do interior. É uma sociedade impregnada de câncer, de depressão, paraplégica... Doenças que queremos curar no shopping, nos bares, nas drogas socialmente aceitas e nas não aceitas. Vamos falar sério que essas doenças só demonstram uma única coisa. Esse monte de concreto, ciência, riqueza e tecnologia não dão proteção ao frágil caminho que tomamos que é o do interesse. Estou certo disso. Estes jogos de interesses estão nos envenenando.

Somos tão inteligentes. Pelo menos pensamos assim. É burrice prosseguir. Vamos parar um pouco e olhar um dentro do olho do outro. Vamos escutar o coração do outro e compartilhar o que está preso no nosso coração. Tenho certeza disso. O amor é querer ver a verdade do ser amado. Esse barulho todo e todos falando ao mesmo tempo, a sensação que eu tenho é que vivemos rodeados de muita gente, mas continuamos sós para enfrentar o dia que não tem sol pela janela.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

[aniversário]

Quase chego tarde para festa. Uma bebida? Aceito. Um café bem forte ou um chimarrão. A cerveja você bebe que eu aprecio. Mil folhas, festa sem mil folhas é aniversário de criança. Música? Hoje, mas apenas hoje, me permitirei a ouvir Zeca Baleiro. Vou ficar bem quietinho para que possas filosofar o quanto desejares. Depois damos uma volta de bicicleta para que Sócrates não deixe seus fantasmas na piscina.

Sonho? Parabéns e muitas felicidades.

[de um só, fazer par (Amor platônico II).]

Então ela devia viver a sua vida. Ele também deveria desistir daquilo tudo.

Ao escovar os dentes ele imaginava que os dois poderiam um dia escovar os dentes juntos. Ela chegava a casa e imaginava o que ele poderia estar fazendo naquele momento. Ela temia que ele não a amasse e ele temia que ela não a amasse.

O amor platônico é a crença que o objeto amado é superior ao objeto amante.

Ele esperava incessantemente por notícias dela e ela aguardava que ele fosse mais explicito.

O dia dela era muito sério. O dia dele era muito engraçado. Ela usava os cabelos curtos e ele usava os cabelos longos. Ela com os pés no chão e ele nas nuvens.

O amor platônico é a crença que diferentes não podem se dar às mãos. Ele sonhava com ela e ela sonhava com ele.

Ele a queria. Não sabia ainda como, quando, onde e de que forma. Ela queria ele. Na sua frente, diante dela, na sua presença. Os homens sempre buscam dar curvas no o que os torne homens, talvez seja por isso que adoram carros, um brinquedo desde quando eram meninos.

O amor platônico é aquele que diz que amanhã dará um ponto final naquela história, mas diante do outro, perde a voz.

Viverão mais um dia separados. Irão se divertir, rir, falar bobagens e quando voltarem para casa eles terão a nítida certeza que se esqueceram de algo.

 O amor platônico é fiel ao seu ser porque já está amando.

[pessoas]

Há as que viajam e não vêem. Seus passeios são idênticos aos cartões postais, suas diversões seguem a risca os conselhos dos guias turísticos. Trancadas nos seus mundinhos não conseguem reparar o que deve ser reparado. Até porque o que deve ser reparado sempre está em algum esconderijo, nunca amostra. Coincidentemente e infelizmente elas agem da mesma forma quando vêm na nossa casa. Só admiram o que está cansado de ser admirado, enxergam o que está bem ao alcance dos seus olhos, só falam o que está sempre sendo falado. Só perguntam o que já respondemos um milhão de vezes. Só se preocupam com o que não tem importância e não entendem nem palavras inteiras.


Têm as pessoas que insistem em amar quem não as ama. São do tipo sempre tristes, sempre de mal com a vida, sempre se violentando, sempre cometendo torturas e sacrifícios. Não cansam de repetir que o universo conspira contra elas. Como se o universo tivesse tempo para perder com essas picuinhas. Como se o universo estivesse aí para perseguir alguém.

Pessoas que se machucam demais com seu real totalmente ilusório, seus amores que nunca chegam, seus sonhos inalcançáveis. Também acabam machucando os outros graças ao seu mau humor, sua coisa de que nada vai dar certo, seu ciúmes cheio de dor de cotovelo, sua cara sempre de gavetas fechadas.

Graças a Deus, a vida não se resume apenas a estética dos que não vão ao banheiro na casa dos outros, aqueles que nunca deixam passar um errinho de português sem que advirtam o pecador, dos que em qualquer assunto e sobre qualquer coisa, mesmo se tratando do futuro, eles já sabiam o que aconteceria ou já tinham uma opinião formada repleta de postulados e axiomas. Graças a Deus este lugar onde nos encontramos não se resume só aqueles que quando damos até logo eles prolongam o assunto ou dos que volta e meia estão roubando um minuto do nosso tempo.

Há o melhor tipo de pessoas. Aquelas que são bonitas. Sejam elas negras, amarelas ou brancas. Sejam elas com olhos puxados, azuis, castanhos ou cada um de cada cor. Sejam elas bem despertas ou ainda sonâmbulas. Sejam aquelas que vivem da pesca, da academia, estejam de cabelo raspado, trancinha, brinco ou passando protetor solar fator 50. As pessoas bonitas: sem distinção de pátria, sexo ou crédulo.

Engana-se em pensar que pessoas bonitas é uma raridade, na verdade ganham em número, gênero e grau das pessoas feias. O problema é que nos acostumamos a fazer notícia do que é feio e acabamos deixando para lá o que é agradável. Pessoa bonita faz dia de chuva radiante, faz elevador trancado virar dia do amigo, faz batida de carro acabar em pizza, faz pavor se transformar em romance. Pessoa bonita nunca está doente e quando está assim mesmo continua bonita, é uma doença do corpo e não da alma. Quando pessoa bonita derrama lágrimas, então todo mundo pára. Quando pessoa bonita chora é porque o mundo está sendo mesmo cruel, muito cruel. Quando sorri. O mundo também pára. Pára de chorar.

É o cúmulo pensar que dá para ser uma pessoa bonita fazendo plástica, indo em academia, usando creminhos, acertando na mega, puxando cartão de crédito daqui, distribuindo brilhante por ali, viajando pra cima e pra baixo, andando com carro da moda. Gente bonita não vem empacotada, não tem laçinho de fita, não é bolo de festa e nem sabe que é bonita. Sabe mesmo é fazer a sua parte e bem. Sabe defender o outro quando precisa, sabe berrar que o político é corrupto, sabe estender a mão quando a mão deve ser estendida, sabe dar para vizinha uma xícara de arroz, sabe o nome da vizinha e sabe rezar, porque ora-ação é sempre feita por gente bonita.

O mundo, a velocidade das coisas, a inversão dos ângulos, o campo de busca, o tráfego, tem nos deixado meio atônitos com tantos tipos de certezas que num instante após já se tornam incertezas. Mas, é fácil diferenciar uma pessoa bonita de uma beleza passageira. As pessoas bonitas ficam para sempre e não é no jornal, nas revistas de celebridades, nas colunas sociais, nos releases pós-pagos que triunfam. Elas habitam outro Olímpo, o Olímpo onde deuses e deusas são aqueles sem vendas nos sentimentos.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

[amor platônico I]

Todo amor platônico é um amor que freqüenta o imaginário, aloja-se no imaginário, vive o não ir, indo do imaginário. O Amor Platônico é sempre uma relação de um e não de dois. Um que, dorme e acorda sempre só, com seus sonhos. Existe o desejo, existe a paixão, existe a falta, só não existe o comprometimento e o encontro, onde se dá a realização, ou como uma amiga minha gosta de dizer “a real-ação”.


As relações virtuais são platônicas. Por mais que vejamos fotos, conversamos com aquela pessoa através sabe-se lá por onde, tenhamos noção do seu peso, das cores dos seus olhos, da sua altura, mesmo assim ela não ultrapassa a esfera do imaginário, é sempre lúdica, inexistente, ausente. Também é sempre mais fácil, mesmo que sofrido, pois não se trata de material tocável, palpável, tangível. Esse ser é o que pensamos que seja, permanece sendo a nossa afirmação, é argila que modelo como bem me convém. Veja Lílian e Alberto, os dois se implicam, trocam desaforos, fazem criticas um a roupa do outro, ao cabelo, até mesmo cuidam quando um exagera mais na comida. Mas Lílian e Alberto também compartilham o sorvete em dia de sol e se lambuzam, deitam e fazem sexo e amor, estendem-se horas por horas na areia da praia e desenham corações com seus nomes dentro deles, vão ao cinema e fazem fundue quando está muito frio. Beijam-se, abraçam-se e se tocam. O real tem resposta, cheiro, tato, olfato. O real tem dias bons e dias ruins.

A vida ficou estancada foi o que falou, quando relatava do poço, poço seco que estava se tornando com aquela saudade: - Eles se amavam. Tinham prazer um com o outro, tornaram-se companheiros, ouviam música, mas aquela saudade permanece, saudade de que se quisessem. Não eram amigos? Não queria ser só amigo dela. Mas, a amizade não é tudo o que o amor aguarda?

Permanecer no sonho é permanecer mais um pouco de baixo dos lençóis. Permanecer no sonho é virar para o lado, fingir que não é com a gente, fazer que esteja dormindo. Permanecer no sonho é jogar tudo pra cima. O Amor Platônico teme que o real possa matar o sonho. Então ele dá um tapinha no relógio e permanece dormindo.

[A-GOSTO]

Lá se vai o último dia do mês. Vai agosto, ao seu gosto.


Nesse mês, as árvores, ao contrário dos humanos, se despem. Já os humanos, ao contrário das árvores, se vestem. As pessoas caminham mais geladas. Água quente é boa para esquentar os pés. É evidente, só para quem não encontra coisa melhor.

A-gosto penso na vida. A – gosto penso que tenho muito o que fazer, mas prefiro permanecer embaixo das cobertas. A- gosto prefiro ficar em casa, mesmo após um convite para uma festa. Uma boa festa. Festas boas são aquelas que as tortas são de verdade, de uns tempos para cá tudo está se tornando de mentirinha, até os bolos de aniversário.

É o oitavo mês do ano, o que imediatamente me recorda que faltam apenas quatro meses para se encerrar o que nem se iniciou. Mas, ainda tem muito o que chover. É melhor eu ir beijá-la para que não esqueça. Ainda há tempos de frio pela frente antes do sol anunciar a primavera.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

[ao leite]

O chocolate é como o amor, estimula o hipotálamo, induzindo sensações prazerosas e elevando o nível de serotonina. Mas não é apenas isso, o chocolate é como o amor, porque no verão fica mais derretido e no inverno os dentes mais frágeis se acovardam em mordê-lo.


As amadas passam na rua sorridente, os homens mal amados nunca passam do segundo copo sem se embriagarem. Mulheres a noite, quando a cama de casal mesmo confortável , fica desconfortável, vão na cozinha e na segunda prateleira se encontram com seu amor secreto. Os homens solitários sempre têm bombons para oferecerem. Seu amor é como gangorra em praça, um brinquedo que só tem graça quando feito a dois.

Quando inicia, taças de vinho derramadas mancham o tapete branco da sala. Quando acaba, o sol se despede da lua, o doce agora se transforma em despedida. Os grãos de cacau torrados sem adição de leite. O amargo de ir embora. O amargo sem passaporte. Há o amor amargo, sem adição de carinhos e fragmentos que se espalham pelo espelho de desconhecidos. O amor pode ser uma barra de chocolate amargo.

Um amor recheado de sonhos. Um amor que se inicia ali na varanda e vai até nós dois de mãos dadas e bem velhinhos. Um amor que surpreenda, que leia poemas para dormir, que faça o café para amanhecer. Um amor lindo de jeans, um amor lindo de prataporter, um amor de linho. Um amor que converse sobre ter filhos, sobre os filhos, sobre não ter filhos. Um amor que tenha sexo, mas tenha diálogo. Que tenha religião, fé um no outro. Chocolate por dentro com amêndoa ou avelã, cereja ou amoras, morango ou frutas silvestres, licores. Um amor com recheio : venha e me faça feliz, venha e te farei feliz.

A couverture é o chocolate rico em manteiga de cacau, utilizados pelos profissionais chocolateiros. Gueixa são mulheres que estudam a tradição milenar da arte da sedução, dança e canto. As estrelas como lençol e a rede. Os bibs e aquele instante silencioso eterno após o primeiro beijo. Abra a janela ao invés de acender a luz. Veja ao invés de fotografar. Coloque os pés na grama e descanse os sapatos. O que vai para a escola é a mente e não o coração.

Tabletes, gotas e barras. Um amor ao leite que seja deleite. Convencional e até mesmo tão igual a tantos iguais. Até marcado com o gosto do hábito, mas com o deleite de ver que irá viajar, mas me levará no cheiro de suas roupas. Deleite de passar os dedos nos lábios e os lábios em deleite guardará os dedos no céu – da boca. Deleite pelo amor confesso no cotidiano de fazer planos. Planos de quem lavará a louça do jantar, de quem fará o café e a salada, de quem deixará as crianças no colégio, do apartamento para poderem casar sem papel passado, da conta de água e da de luz, da escova de dente, das toalhas xadrezes ou lisas. Deleite e ao leite do amor que sofre barras, gotas de lágrimas e algumas vezes quase se esfrangalha em tabletes, mas como num milagre o que era dor, basta um abraço forte, verdadeiro, carinhoso e para o amor mais uma vez ser amor.

A páscoa e suas cestas que são ninhos recheados de amor com chocolate ou chocolate com amor. Margarita disse enquanto tomava café que os coelhos são cupidos. Ainda existe gente que se apaixona.