sábado, 22 de maio de 2010

[carinhosamente]

Será que cabe ao amor sentenciar o melhor ou o pior? Ao amor só cabe amar. E sobre o luxo, o conforto, o belo, o feio? Ao amor cabe permanecer lá e ser acolhido, ser vivido. Surpreender e ser surpreendido.

Não cabe ao amor dizer que Beethoven é mais interessante que uma milonga, que Eduardo Galleno é mais inteligente que Capricho, de estabelecer luxo para o cinema e lixo para a TV. Ao amor cabe apenas por ele quase morrer. Fazer com que a vida seja um Vilarejo. Um lugarejo em que se possa colher pêssegos em companhia desse amor. Um bem que nos faça bem.

O amor não tem olhos, fita métrica, não dá parecer de economia, não fez banca nas academias, não é letrado. Tudo que sabe é do danado do sentimento. Sentimento que faz sorrir, que faz chorar, que faz dizer bobagens, que faz fazer colagens e até promessas. É estradeiro debaixo dos lençóis, é véu, bicicleta, agulha que costura de uma ponta e faca que corta na outra. É paradeiro, mas também é susto.

Trombone que parece engraçado, flauta aguda, chelo que espanta. O amor nada sabe das formas geométricas, da caixinha de música, dos planos que traçamos para ele, da encomenda, do sedex, da carta registrada. Tudo que quer mesmo é entrar sem bater na porta, pular pela janela, criar um cenário que não foi proposto por nós, sugerir um tablado que a fala não foi criada por nós. Nós é que somos tontos, estamos bêbados. O amor tem sua linha, seu equilíbrio, seu próprio diálogo, seu paciente monólogo, sua bagunça organizada. O amor espera. Espera que paremos de dar a direção, que nos desfaçamos da bussola. Que o deixemos, o deixemos entrar sem destino, sem endereço, sem hora agendada, sem prólogo, sem carta de apresentação. O amor espera que a nossa teimosia se desmanche e se acabe, ela se desintegre, para integrar o seu acaso. O acaso do amor.

Carinhosamente o amor observa a nossa infelicidade, a nossa angustia, o nosso não dormir, a nossa fragilidade, a nossa infidelidade as suas leis. Carinhosamente manda olhares de esperança, coloca tempero em alguns dias, faz a pele se arrepiar em outros. Carinhosamente o amor nos manda um alento, pingos de orvalho que são esperança em manhãs de outono. Carinhosamente o amor nos faz com que não abandonemos a idéia do amor.

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