terça-feira, 15 de junho de 2010

[preguiça]

Naquela manhã lhe bateu uma preguiça. Uma coisa de jogar a toalha para cima e esperar a banda passar. Sentiu uma vontade de ter alguém para si, talvez fosse por ser sexta-feira. Bela e linda sexta-feira. Talvez por estar se tornando egoísta, talvez por estar tão cheio de “talvezes” e se tivesse alguém, ela poderia ajudá-lo a sair desse labirinto.

Um amor como pasta de dente. Algo que trouxesse um gosto bom na boca bem logo cedinho da manhã. Bateu uma vontade nela de ter um. Um amor que escorregasse pela cadeira sem medo que viesse escorregar também entre os próprios dedos. Que fosse proteção sem ser dominador. Algo do tipo madeira e carpinteiro, tela e pintor, fosse livro e escritor. Um amor que sendo verbo, não deixasse de ser também o sujeito da ação. Ela se sentia pregada, amarrada, aranha naquela sua teia bem estruturada. Estava cansada de ser a iniciativa, de ter a iniciativa, de estar com a iniciativa. Toda aquela ordem vinha lhe colocando permanentemente em desordem.

É tanta vontade de vencer. É tanta vontade em poder presentear melhor as pessoas. É tanta vontade de ir ao cinema. Os livros esbarram-se uns nos outros nas prateleiras das livrarias. Os filmes fazem fila indiana nas recomendações do jornal, há muito que fazer e acabamos não fazendo nada. Somos soldados de uma guerra que nem sabemos muito bem o que queremos dela. Homens e mulheres balas. Estamos sempre na boca do canhão. Lançando nossos pedaços de expansão sabe Deus aonde. Será que Deus sabe mesmo o que está fazendo? Claro que sabe. Se não estaria no céu jogando dadinhos. Diluídos nas nossas glórias, nos sentimos generais de conquistas que ficamos imaginando quem irá admirá-las. Quem estará presente para nos dar a medalha? E a foto? O poster?

O calendário conta os dias que já se passaram esse ano. Foram tantos e eles não pareceram muito diferentes do outro calendário. Os mesmos amigos, os mesmos lugares, as mesmas músicas, até o que poderia parecer igual, foi exatamente igual.

Nem deu para perceber. Ela não o viu, não se esbarraram em alguma esquina. Não eram amigos dos seus amigos. Não se matricularam para a mesma especialização. Eles sentiam a mesma coisa, mas não estavam lá no encontro do café, da janta entre amigos, da praça, do frevo canção.

Um amor que tivesse como única imposição a vivência deste mesmo amor. Um pouco de terra molhada, um cheiro de capim limão, um jarro com hortelã, alguma champagne e duas taças. Era tudo o que queria e isso não parecia muito. As mesmas lamentações, sempre as mesmas queixas, dúvidas pra lá de mastigadas que já se tornavam certezas. Tudo estava visto do outro lado da cortina. Ela olhava para o espelho e ele também olhava para o espelho.

O amor ainda não bateu na porta nem dela e nem dele. Mas, essa manhã uma maça com um bilhete “ profe eu te amo” estava sobre a sua mesa. Bastou para que abrisse um sorriso e se sentisse amado.

Seguirão sozinhos por mais um tempo até que se vejam. Mas aquele almoço foi um presente diferente para ela. Uma mensagem na sua secretária eletrônica dizia algo do tipo: Muita gente no consultório? - Lu, a luciana nasceu essa manhã. Graças a ti ela está aqui do meu lado e não naquela Clínica. Eu te amo e ela vai ter o teu nome.

Quando a luz é muito intensa cega os olhos.

Porque tem trabalhado tanto, se perguntava. Projetos e mais projetos. Abre a porta, tateia o interruptor para poder acender a luz do apartamento. Certos dias o apartamento parece muito maior que o habitual, suas paredes são braços musculosos e o corredor uma passagem para o infinito. Pensa nisso enquanto se desloca até o computador para ler seus emails particulares, nem sempre tinha tempo para isso no consultório. Os emails traziam a ilusão de que a qualquer momento o seu príncipe pudesse chegar por aquele correio eletrônico. Mas só os sapos, por ali passavam só os sapos. Não ia mais fazer testes. Os últimos tinham permanecido sapos.

Eles vão ir, eles vão voltar. Eles vão ir e eles vão voltar. O mundo fica girando, girando e girando. Meio parecido com roda gigante. Se não estamos sofrendo uma aparente síndrome de torcicolo dá para olhar para o lado e ver que as coisas estão acontecendo ciclicamente.

Antigamente as janelas eram de abrir, hoje são de persianas. Mas permanecem sendo janelas e olhar por elas permanecem sendo uma possibilidade que o arco-íris nos visite. Talvez esteja aí à razão de muitas coisas estarem estampadas na nossa cara, mas como olhamos só pelas frestas das persianas, nós acabamos acreditando estar enxergando tudo, quando estamos avistando partes.

- Alô é a Nanda?

- Não.

- Será que é engano, mas me deram esse telefone, pois a Nanda teria filhotes para dar.

-Você gosta de cachorros?

-Gosto e você?

-Tenho um. Não dá pra ter mais de um em apartamento.

-Não tenho nenhum, mas gostaria de ter.

-Não sou Nanda, sou a Lu, mas poderia ver isso pra você.

- Eu sou Laco...

Nenhum comentário:

Postar um comentário