quarta-feira, 23 de junho de 2010

[relógio]

Dos quinze minutos atrasado. Do tema que deveria ser entregue nessa aula, mas foi relaxadamente esquecido. Do vou ali e já volto. Das gavetas abarrotadas com histórias do passado. O livro chato, do autor medíocre que arranjamos emprestado porque o dentista nunca atende na hora.

-Vamos dar um tempo é melhor para nós dois.

Do verbo aplicado no futuro do pretérito. O resultado do exame de gravidez, do câncer, de qualquer doença. Positivo ou negativo? O olhar pela janela. O leito do hospital. A médica para dar alta. A médica para fazer à baixa. A médica que não vêm.

Da chuva que cai quando queríamos um dia de sol. O sol que sai quando queríamos um dia de chuva para tomar vinho com nosso bem. A insônia. A vontade de cair na cama. O sono na estrada após o almoço pesado. O carro quebrado e o mecânico que não chega. O assado no forno. A fila do caixa do banco. A fila do hospital. A fila para entrar no restaurante. A fila para receber a devolução do imposto de renda. Qualquer fila.

As férias. O antes da festa. A festa que está um porre. O porre do amigo que está no porre. Quem nos ama, mas não amamos. Quem amamos, mas não nos ama. A saudade de alguém que morreu. A vontade de ver a irmã que mora em outro lugar. A vontade de estar com a irmã que está em outro país. Os olhos ficam contando em vão os dias do calendário. Os ponteiros sempre ajudam a prolongar ainda mais o tempo que se arrasta

Espera-se por um político honesto e faz tempo.

Do chaveiro para abrir a porta emperrada. Por uma oportunidade para mostrar que somos melhores do que somos. De segundos para baixar o tempo da natação. Da sinaleira. O engarrafamento. Do filme chato, do autor chato, que fomos ver com alguém por pura falta de opção por coisa melhor. Da prova que não sabemos nada.

Esperar que o outro tome banho. Esperar que o outro escove o cabelo. Esperar que o outro se pinte. Esperar que o outro chegue do futebol. Esperar que o outro chegue da cervejada com os amigos. Esperar para jantar com o outro que ficou até mais tarde trabalhando.

Do relógio ao cronometro. Da ampulheta aos frames. Das horas, dos minutos, dos segundos, dos milésimos de alguma coisa. Quando chegará? O que chegará? Como chegará?

O desejo em desejar fazer o que está para acontecer, que aconteça com mais velocidade. Os ponteiros ainda por cima não se falam com as nossas vontades. Não são convenientes nem coniventes com nossas pressas, nossas preces, nossos reclames. Porque os ponteiros são só os ponteiros, também prisioneiros dessa mesma armadilha. Que tem como capricho limitar o sentir e o sentir nada sabe da natureza dos sinos que tocam sempre na mesma hora.

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