sexta-feira, 6 de agosto de 2010

]menina[



Ela se pôs a dizer versos. Versos pobres, mas de coração. Geremias olhou-a bem dentro dos olhos e se encabulou.

Geremias recordou que já fazia tempo que não admirava alguém bem dentro dos olhos. Arrepiou-se e corou.

Não pode deixar de ir folheando na sua mente, como essa vida levada sempre nas pressas transforma tantas coisas bonitas em bobagens: vira bobagem dar um abraço forte, vira hábito dar um beijo, vira comum tomar café da manhã, vira monótono ter que levar a namorada para ir ao cinema. Tudo vai virando hábito que logo aprendemos a confundi-lo com chato, e mais rapidamente pode se tornar o fim dos fins.

Em certa altura da conversa ela lhe chamou de moço bonito. Aquilo o pescou. Anzol na boca, lambari se debatendo. As mulheres pegam realmente os homens pela boca. Se a exclamação era verdade ou mentira, tinha uma singela expressão e as coisas quando são singelas normalmente são honestas. Mas, mesmo assim perguntou a ela se era verdade? Ela riu como quem se confessava. Já não precisava dizer mais nada. Estava respondido para ele – Era verdade.

Passou o dedo nas sobrancelhas exibindo um charme. É evidente que existe um monólogo instalado em nossas vidas, um eu a prosear comigo mesmo.

Temos algumas expressões viciadas. Quantas vezes teria repetido frases como meu bem, eu te adoro, você é a minha vida, como é bom estar com você, você me faz uma falta, nunca me esqueço de você, minha cara metade. Nunca se deu conta se aquilo estava saindo de dentro para a boca, se já tinha caído em uso comum, se era parte do dicionário vai prontinho assim.

Ela tinha apenas 10 anos e a sinaleira estava prestes a abrir. Geremias teria que avançar, pois a vida não pára. Tudo aquilo poderia ser só uma nova estratégia para amolecer seu coração e fazer com que sacasse uma moeda. Pois bem, ela venceu. Pegou a moeda e um pacote de Tostinnes e se tivesse um pouco mais de tempo talvez ainda tivesse feito um agrado em suas bochechas e lhe dado um beijo.

Enquanto sorria ia dizendo pra si mesmo que prestaria atenção nos bilhetinhos de agradecimento, ia perder mais tempo comprando bombons, ia perceber mais no batom que mudou ou o batom que não foi usado. No próximo bom dia para o vizinho ia esperar a resposta e ia confirmar a resposta. Ia querer saber como está aquele seu afiliado que nunca mais ligou e no ano que passou nem mesmo tinha levado se quer um presente de Dia Das Crianças. Em relação ao bebê dá amiga que tinha nascido e que tinha colocado várias outras coisas como mais importantes na frente, agora tinha se tornado uma prioridade.

Ele estava sensível e não queria deixar ela para trás. Provavelmente nunca mais iam se ver, mas ela continuaria ali enquanto ele pudesse ir fazendo diferente os dias que nunca são iguais.

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