domingo, 22 de maio de 2011

[deserto]

Primeiro a procurou entre as saudades. Remexeu as gavetas, vasculhou antigos bilhetinhos e mais uma vez olhou retratos que o tempo tinha pintado de amarelo – passado.


Foram dias de rio. Sozinho chorou, sozinho se indagou e mais sozinho ainda se culpou. Como o passado é inimigo do presente. Quantas coisas, pessoas e afazeres em caixas. Caixas com letras garrafais escritas em pincel atômico azul: - “ Lembranças de ontem”.

Mas ela não estava ali. Só o que tinha desses anos de recordação eram os cabelos encaracolados, seu antigo sonho de ser aeromoça e um sorriso de sol, mas tempo que também poderia fechar e de uma hora todo aquele sol virar temporal.

Dormia e não sonhava com ela. Acordava e ela estava em seus sonhos.

Deserto caminhamos com sede nos pés. A alma seca. Os lábios economizam palavras, a falta delas vai causando febre – o corpo está aquecido, mas está frio, prestes a se congelar.

O homem com seu boné de marinheiro folheia os livros, mas navega mesmo é no assunto das palavras que flutuam no ar naquele ambiente onde os ventiladores são fracos para refrescar as mesmices do de sempre.

Os dias corriam melhor. Tinha mais coragem e até ia ao cinema ele e mais ele. As velas vão se desmanchando. O pano e as traças, doenças que dão em barcos ancorados no mesmo cais. Que dão em gentes amarradas ao passado. Mesmo assim na geladeira o imã resistia - “Um dia voltaremos a jantar juntos e faremos o amor que não realizamos”.

O mundo que não se realizou está no mesmo espaço daquele que está atrasado. As pessoas que chegam depois não sabem daquelas que não chegaram. Para angústia não há diferença entre dois minutos e anos, há mais angústia, apenas mais angústia.

Levou flores para casa, colocou alguma bossa nova para tocar e ficou observando o incenso queimar. Nenhuma bebida, nenhuma embriagues, um silêncio onde se escutava o relógio marcando segundo a segundo. Ainda averiguou se realmente tinha trancado as portas. Por crendice, superstição exatamente: mais aquela noite deixou a janela aberta. A água bebida não acaba com o deserto é o deserto que se acaba na água bebida.

Um comentário:

  1. A Poesia,
    Há tanta dor num mundo adiado que a necessidade de ser o por que de algo é maior que saber seu por quê.
    Enquanto voa, a poesia acaba se desencontrando, findando-se, fechada como dedos.
    Há tantos mundos, tantas vidas, tanto sonho em tudo que não há espaço pra ela.
    Tudo o que ela possui é um mundo frio e real.
    Não basta saber ele porque não pode macular de carne o que é feito puramente de alma.
    Nesse mundo adiado, de dores, não há resgate nem oportunidades.
    Há tentativas vãs de fazer-se, mas nada mais ela é do que o que é. Já estava pronta a poesia...
    A verdade que tinha sua alma e transbordava em suas palavras nunca encontrou par
    em pele e osso.
    Mas ela tem que tentar, porque sonha, e sonhar é um copo cheio que só quem partilha dele sabe o gosto.
    Ninguem pode tirar-lhe a ilusão que a sustenta, por mais que observe que suas mãos são deveras
    delicadas para abranger qualquer coisa.
    Tudo o que ela tinha era uma imensa vontade de acabar.
    Ele, a sicuta que permanece, ela, o último gole que a acaba. Queria acabar como a lágrima que precede o consolo, em silêncio, como a chuva que finda quando se fecha a porta e se canta alto, como o riso que fica quando a luz se esvai.
    Ela vestiu um par de tênis que nao eram seus, mas nao serviu. Tem que ser princesa para vestir sapatos de cristal. Então foi em busca de seu All Star, a possibilidade de escrever em humanez. Só alma não é coisa pra ela, ela já é feita só disso.
    Precisa-se mais pra saciar a sede de fome de uma alma alada. Ela tem o dever de saciar a fome de alma de quem se escreve pra voar em seu entorno.
    O verdadeiro é uma estrela que nunca se apaga, a menos que ela a toque.
    Onde não há verdadeiro, ela toca, a estrela se acende, e ela acaba. como sempre quis, desde o início.
    Encontrou-se em uma noite fria, com os olhos borrados, porque, por mais que se esforce, nunca aprendeu a pintar o seu céu.

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