sexta-feira, 26 de março de 2010

[cafajeste]




Realmente os honestos, os românticos, os bons moços ou as boas moças têm perdido um campo danado para os conversa fácil, os safados, as traíras, os desleixados, os traidores e as traidoras.

Tenho a sensação que boicotamos nossa própria felicidade. As pessoas que têm cabelo liso desejam ter cabelos crespos. Os que nasceram com a pele clara se torram no sol para que ela escureça. Olhos azuis desejando que fiquem escuros. Quem faz isso sonha em fazer aquilo. Uma eterna insatisfação com o que temos e com o que podemos ser com o que temos.

Esse sentimento conta muito mais do que somos do que aparentemente percebemos. Aceitar que possa ser amor algo que nos diminui, que chega com desculpas esfarrapadas, que nos exclui, que dá só as horas vagas da sua vida é lamentável. Ver que o outro está deixando as horas bacanas, as horas prazerosas, para compartilhar com outras pessoas, é no mínimo chato, sem graça, sacanagem, para quem ficou sem essas horas.

Aceitar que possa ser amor algo que está do lado de fora da porta mesmo estando do lado de dentro, é uma doença. Uma doença muito séria, muito ruim, muito triste. É uma ilusão que alguém assim possa ser bom de viagem, na mesa do café, no diálogo, imagine lá se vai ser bom de cama. Logo a cama que tem uma coisa de todas essas coisas – de café, de diálogo, de viagem.

É uma tremenda enganação acreditar que alguém que não nos dá a mínima pelota, que nunca tem uma palavra doce, que faz questão em estampar que estamos sobrando, possa garantir qualquer tipo de prazer. Amor é presente. Não apenas como jantares, jóias, vestidos, camisas, viagens. É presente também do tipo sua alma presente com a minha.

Para que duas pessoas estejam presentes uma na vida da outra é necessário que estejam afins. Isso vem de afinidade. É por isso a expressão: “Estou afim de você”. Só na novela o príncipe se casa com a borralheira. Só na novela o mecânico namora a Doutora da USP, só na novela que as pessoas podem não ter a menor afinidade e se apaixonarem. Na vida real tem que se estar afim. Não é uma questão de preconceito. É uma questão de compartilhar. Quando o amor não é cafajeste seu propósito maior é o de compartilhar. É ir estar no outro e dar a permissão que o outro esteja na gente. Compartilhar a calça nova, compartilhar o filme, compartilhar as horas na quadra da escola de samba, compartilhar quantos carros foram concertados e as camisas cheias de graxa, compartilhar as peruagens da patroa, compartilhar o corpo escultural, compartilhar os livros, compartilhar os novos negócios, compartilhar os problemas com os alunos da escola, compartilhar o vazio e compartilhar o cheio, compartilhar o antes e compartilhar o agora e é claro compartilhar sexo, que é da natureza de qualquer outro animal. Quando compartilhamos afinidades com quem amamos ao invés da competição o amor faz florescer outro sentimento - a admiração. Amor sem admiração é sempre muito cafajeste.

3 comentários:

  1. É incrível como os teus textos, os teus pensamentos e idéias me fazem analisar e questionar as minhas próprias idéias e pensamentos. É muito bom ler textos inteligentes e sensíveis que nos tirem do marasmo, que movimentem nossas idéias e arrebentem as correntes de pensamentos que nos tornam padronizados.
    Agradeço o crescimento e evolução que tens trazido para minha vida.

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  2. Olá Sander! Por antigos e-mails conheci seus blogs. Agora te apresento o meu, recém-criado, www.verbosesentimentos.blogspot.com .
    A inspiração vem dos sentimentos e os registro no blog.
    Dá uma olhada!
    Parabéns pelas belas palavras!
    Abraços.

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  3. Estou viciando na leitura do teu blog, porque me identifico profundamente com tua visão da vida. Mas é uma agradável surpresa que essas visões, que eu estereotipava como "femininas", estejam sendo pronunciadas por um homem! Agradabilíssima surpresa. Obrigada, Sander! Sua recente mas duradoura fã!

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