quinta-feira, 4 de março de 2010

Salto Alto.

Foi dançar naquela noite. Não sabia dançar, mas naquela noite vestiu seu costume avermelhado, pintou-se, fez escova nos cabelos, visitou o espelho mais de uma vez e colocou aquele perfume que tinha ganho no último natal.


As amigas disseram que estava bonita e ela se sentiu assim. Elas estavam em quatro e ficaram todas numa mesma mesa.

A primeira impressão que teve quando chegou aquele lugar é que tinha perdido seu tempo se arrumando tanto, naquela penumbra mal dava para diferenciar entre um vestido e uma calça. Quem repararia alguma coisa? O cheiro da fumaça dos cigarros era muito superior ao seu perfume. As pessoas se batiam uma nas outras, se acolheravam e o barulho ensurdecedor não dava para trocar duas palavras sem se perder uma. Estava resolvendo em se levantar e sair quando o garçom chegou.

- A bebida das moças?

- A mais alegre delas foi pedindo uma cerveja, as outras tomaram martine e ela pediu um gin.

- A moça gosta das bebidas perfumadas?

Não só das bebidas. Gosto também dos homens perfumados, das músicas perfumadas, dos lugares perfumados, respondeu ela para o garçom em tom formal.

Uma alfinetada. Não, uma comichão. Sentiu que algo de estranho subiu sobre as suas pernas, mas não conseguiu deter a marcha do intruso. Podia ser uma formiga, uma mariposa, mas também era possível ser algo maior como um besouro ou até mesmo uma aranha, quem duvidava que não viesse a ser uma repugnante barata ou um letal escorpião.

O garçom estava deixando as bebidas sobre a mesa quando ela deu uma remexidinha na cadeira e aquele gesto repentino deixou um cotovelo sobrando que quase fez a bandeja ir para os ares. O animalzinho tinha se deslocado dos seus calcanhares até a altura do seu quadril. Agora estava estático, mas até quando. Resolveu se levantar e ir até o banheiro e tirar aquele bicho de dentro de suas roupas. Disse as meninas que ia dar um pulinho até o banheiro, uma das amigas se ofereceu para ir junto, quando ela estava quase em pé o danadinho correu dos seus quadris até seu umbigo pelo fio das suas calcinhas. Se requebrou, literalmente perdeu a compostura. Sentou-se.

- Ufa! Caiu forte o gin hein amiga? Não esperava.

- Chega de conversa mole. Que chateação.

- É verdade depois de um tempo a gente fica sem tesão.

- Para com isso. Tem um bicho na minha roupa.

- Eu vi que depois daquela dose ficaste muito mais afoita.

- Que diabos.

Ela desistiu de explicar. Bateu com os ombros e fez um gesto com as mãos até que a outra virasse o rosto e passasse a prestar atenção num casal que não parava de se beijar.

As outras duas estavam alucinadas para irem dançar. Ficavam gritando para que fossem para a pista. Ela balançava negativamente, mas foram tantas as insistências que acabou cedendo. Como o animalzinho parecia ter se instalado confortavelmente resolveu ir com as amigas.

Estava tocando qualquer dancy days dos anos 80 e mais outro e mais outro. Aquilo foi até que as amigas começaram a reparar que ela estava frenética. Suas mãos passavam por suas costas, alisavam seu próprio pescoço, desenhavam gestos pelo seu abdômen. Seus quadris não paravam, sua boca estava molhada de prazer, seus olhos arregalados de furor e seu corpo era um frenesi só. Seu corpo estava todo sensual. Até um pouco mais que isso.

O bichinho deslizou por sua coluna, andou por suas costelas, esteve parado em cima do bico dos seus seios. Parou. Voltou a andar. Correu de lá até sua virilha, pegou o caminho das suas nádegas, desceu por suas coxas e como se tivesse se assustado disparou até quase a altura do seu pescoço. Sentiu-se fazendo beicinhos, dando gemidos, revirando os olhos, que coisa mais vulgar, que animalzinho mais passado. Suava como nunca tinha suado. Queimava como nunca tinha queimado e sentia um calor na pele, em todas as peles do seu corpo.

As amigas nunca tinham visto aquela amiga. Aquela tão em cima dos saltos que desceu lá de cima, bem de cima mesmo. Formal era pouco, ela era formalíssima. Família tradicional, gostos refinados, gestos econômicos e classe, muita elegance. Maquiagem leve, sorriso leve, comida leve, refeições de passarinho.

Estavam em seu apartamento dando risadas altíssimas, bem diante daquele Gogan. Ao fundo Miles Davis, enquanto imitavam sua dança cheia de malícia, sexo e ferocidade. Riam, riam e continuavam rindo. Tomavam cervejas e permaneciam alegres e felizes. Foram-se. Falaram alto nos corredores, apertaram a campainha da vizinha chata, acordaram o síndico, buzinaram para se despedir as 3 horas da manhã.

Ela não lhes contou do animalzinho que estava em seu vestido. Na verdade aquele animalzinho que aquela noite estava dentro dela nunca mais saiu. Ela nunca mais saiu de casa sem um animalzinho dentro dela.

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