quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Maria.


Tinha 18 para 19 anos quando chegou na capital. Muito longe. Veio de muito longe com a barriga grande, um amor que lhe abandonou e um avô italiano que lhe expulsou de casa. Não sabia nenhuma lida além da de mexer na terra, cozinhar para os irmãos e cerzir buracos de meias, cuecas e camisas que iam se despedaçando com o tempo. Também não sabia ler.


A barriga ia crescendo. Todo dia a barriga ia crescendo. Ninguém quer empregar uma mulher de barriga grande. Aos 21 de abril, deu a luz para uma menina mulata, que denominou de Luz.

Sem barriga pode empregar-se como costureira.

Maria admira o DVD. É complicado, teimoso, com um controle remoto repleto de botões. Olha o homem da TV que não olha para ela, mas ela olha para ele. Maria se orgulha da sua cabeça. Toma guaraná cerebral e escreve com um só olho, pois o outro se foi: fruto de uma trombose. Diariamente faz isso, copia pequenos trechos de livros, passa a limpo receitas, escreve pequenos poemas. Ela tem fé que assim a tal doença que chamam de mal de Parkinson nunca vai lhe deixar uma velha gagá.

Maria não tem mais o parceiro, o Luiz já se foi há uns 20 anos. A única filha também já partiu. O mesmo ocorreu com seus três outros irmãos. Nos domingos, com seus 83 anos, pega o taxi e vai visitar a irmã mais nova. Vestido escolhido a dedo, passa batom e pergunta para o neto se está bonita. Ele sempre diz que está e ela sempre acredita. Eles não se mentem. Eles se amam.

Maria faz planos. Tem planos em trocar os azulejos da cozinha e do banheiro, tem planos em comprar uma geladeira nova, tem planos em recomeçar a hidroginástica, tem planos em voltar a estudar. Não está em seus planos chorar pelos cantos, em lamentar pelos cantos, em amaldiçoar pelos cantos. Ainda tem que fazer muito arroz doce e torta de bolacha de leite condensado com pitadas de limão.

Todas as manhãs reza no seu quarto de oração. Diz à eles que lhe de saúde e um pouco mais de conforto. Pede por todos e para todos, só não pede mais para viver um grande amor, já viveu o seu. Maria pede também para viver ainda muito, pois muito tem que fazer. Eles acreditam. Agora eles é que tem fé nela, porque ela colocou sua fé a disposição deles por toda sua vida.

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