segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

]bergamota I[

Naquela estação de inverno não tinham margaridas. A angústia era tanta e ainda maior pelo o seu amor, como poderia saber se realmente era bem me quer ou mal me quer o sentimento que Ângela pintava por ele? Procurou o Padre na sacristia, mas o danado homem de Deus deu voltas e mais voltas. As dúvidas continuaram fritando seus sonhos como pequenos demônios em véspera de confissão.


Sem que ninguém visse, já tarde da noite foi à casa de uma benzedeira. Mulher misturada com bruxarias, que tirava moléstias, afastava espíritos da doença e até mesmo aconselhava dores de traição. Ela jogou suas pedras azuladas sobre um tecido negro como a noite, mas nada que desse as suas perguntas uma certeza. Vai Lituano junta tua pequena casa e móveis, tua honestidade e vontade de trabalhar, com a alegria de pitangas vermelhas de Ângela.

A romaria continuou. Foi ter com amigos, passou na venda e discretamente interrogou seu Ananias, até a velha gorda que entregava doces por encomenda não foi poupada. Em um passo forte de uma duas horas de caminhada só lhe restava o homem que diziam que via as estrelas nuas e que cada peça que iam vestindo era resposta para um acontecimento. O velho ermitão vinha só de dois em dois meses a cidade, inclusive as provisões e seu pagamento o carteiro se encarregava de entregar.

Ele lhe pediu a hora e data de nascimento de ambos e fez alguns apontamentos num grande mapa enquanto falava de física, matemática e biologia. Disse que era uma ciência que podia prever o clima no decorrer do ano, investigava as marés, a interferência da luz forte do sol sobre o lado oculto da lua.

O vento cantava por uma janela entre aberta, como se participasse do assunto dando suas próprias opiniões. Mas o velho ermitão andava em círculos como todos os outros que tinha consultado. Enquanto ia de forma apaixonada descrevendo seu conhecimento descascava vagarosamente uma bergamota. Mais uma vez Lituano o interrogou e mais uma vez para Lituano as respostas foram evasivas. Com um ar muito entristecido Lituano pegou o mapa que o velho lhe presenteou e despediu-se. O velho lhe perguntou se não levaria a bergamota. Rapidamente passou a mão na fruta e partiu. Na volta, para cada gomo que comia um era bem me quer e o outro era mal me quer. Nos cálculos deu bem me quer.

Na noite que o Padre lhe dava extra-unção, pedia perdão por ter dado uma vida tão amarga para Ângela. Não que naquela tarde a bergamota estivesse azeda, mas que daquele dia em diante esqueceu que as bergamotas não se adoçam por si só.

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