segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

]borboletas noturnas[

Ele as esperava todas as noites. Sabia quando estavam por perto. A sala tinha um aroma de jasmim e quanto mais se aproximava do quarto, mais aumentava aquele floral. A impressão era que as paredes, o carpete e mesmo a cama tinham sido embriagadas nessa primavera pra sempre.


Benjamin não tinha namorada e nem namoradas. As borboletas eram seus amores. Vestia-se elegantemente - sapatos bem lustrosos e cabelo penteado impecavelmente. Tábua com queijo e vinhos e um aquecimento no corpo inexplicável. Assim se portava para aqueles encontros. Elas correspondiam – Vestidas de longos trajes negros ou patra port.

Apareciam há anos impecávelmente ou pecavelmente todos os meses sempre após o 1 dia de lua cheia. Em casa ou no escritório os calendários dele delatavam aqueles compromissos. Frases de sentimento, de sedução, de entusiasmo e até mesmo de desfeita. Estavam lá nos calendários circundados os dias como um diário. Naquelas noites não atendia o telefone, a porta, muito menos o celular. Estava entregue. Trocava carinhos, segredos, sonhos e fazia planos com aquelas mulheres com asas. Elas nunca se repetiam em suas visitas. Dormiam com ele aquela noite e nunca reapareciam novamente no casulo. Não existia um vinculo. Saíam pela janela logo ao raiar do dia e livres também não o faziam prisioneiro.

A primeira lua cheia de maio o rapaz se preparou para o festejo, mas se tornou minguante. Em junho novamente nada e por meses a coisa se repetiu. Nada de borboletas vermelhas e a sua doce luxuria. Aquilo lhe causou uma profunda depressão e o sofrimento avassalador passou a terminar com a alegria da sua vida.

Não tinha como encontrá-las. Chegou a percorrer alguns parques e trocar diálogos com algumas aqui e outras acolá, mas além das risadas dos passeantes e do olhar admirado das crianças, o resultado era exatamente o mesmo – ninguém e nada. Dizia para o terapeuta que nem mesmo as amarelas, acolhedoras e doces, deixavam um único sinal. Até mesmo as borboletas rosas mais virginais e recatadas, perguntava-se? Onde teriam ido parar? Isso não existia, repetia o terapeuta para Benjamin. Mas, teimava na sua amargura e sessão por sessão, era implicito e explicito o corpo que ia escrevendo seu próprio calvário. Mesmo as brancas, que diziam – ser fiéis, até mesmo elas o abandonaram.

Foi após o terceiro dia de lua crescente de agosto que Dramélia apareceu. Ela já não tinha nenhuma reação em razão da péssima alimentação. Não era mais isso ou aquilo porque tinha se torado nada. Após muita e muita insistência da vizinha ao lado, respeitando seus 85 anos, resolveu dar ouvidos aos seus conselhos. Aceitou a recomendação e instalou Dramélia em sua casa. Ela era uma moça vindo da área rural da cidade, de costumes muito simples e personalidade muito forte. Não tinha mais idade para sonhar com o amor impossível, mas também não era tão velha que ainda não acreditasse que o amor agiganta o ver, fazendo a vida mais bela.

Dramélia nos meses que se seguiram mudou os hábitos da casa e de Benjamin. A casa passou todos dias ter um cheiro de beleza, as refeições voltaram a ser cumpridas rigorosamente e não só as contas, mas as camisas também passaram a estar em dia.

A moça não podia ser confundida com nenhum tipo de Amélia. Com um gênio osso duro de roer não perdoava as discussões, não se dobrava e calorasamente defendia seus pensamentos como a mais moderna das mulheres de nossa época. Não deu bola para os comentários, os diagnósticos e as pilhas e mais pilhas de remédios. Do lugar que vinha curava - se mal de amor com mais amor. E para ela o amor não vinha em caixas, pacotes ou com laços de fita. Podia, mas era muito mais que isso. O amor era um sabido. Uma barco que navega e sabe que tem o porto, não a ancora. Um cobertor para o frio e não a cama. O amor não era uma muleta, eram veios de água que se encontram e formam o rio. Benjamin gritou que estava doente e os doentes não gostam da luz do sol. Mesmo assim ela abriu as janelas, deixou o sol entrar e logo foi dizendo que era a primeira e última vez que o café da manhã seria servido na cama. E com muito mais altura gritou que os doentes não gostam da luz do sol porque ela é construção e a vida é sempre construção. A vida não é trabalho, é construção. Ainda disse a ele. Sou muito simples seu Benjamin, mas desde cedo aprendi a não confundir trabalho com construção. Há só dois tipos de homens e mulheres nesse mundo. Os que constroem e os que destroem. Só os primeiros são felizes, os segundos, mesmo abastados não encontram nunca o que preencha o vazio criado pela destruição e como cupins sua fome é cada tempo mais fome.

Na outra, e na outra, e na outra manhã tentou ser mimado, mas depois de várias investidas durante a noite e discussões animadas pela manhã, no quarto dia de lua cheia, preferiu a companhia da moça na mesa e suas histórias rurais.

No outono não lembrava mais das borboletas e já trabalhava normalmente. Viam-se apenas no café pela manhã e na janta. Ele falava para ela de Baudelaire, ela dizia que era triste, que precisava ouvir os sabiás e carregar milho nas sacolas. Declamava Quintana e ela puramente o comparava a um anjo. Benjamin descobriu que as manhãs que declamava poemas de Quintana, escolhidos de Drummond, trechos de Eduardo Galeano a casa a noite cheirava a Jasmin. Certa noite se atreveu a trazer bombons, mas o efeito foi maior quando apresentou para ela a romã. Por horas apreciou a fruta e por fim exclamou que o lugar de onde vinha quando um homem oferece frutas para uma mulher está lhe convidando para que descubram juntos a Idade das Flores. Por semanas não trouxe mais nada.

Os amigos perguntavam sobre as borboletas. Respondia que aquilo tudo era uma doença. Uma doença do passado. Agora era um homem de construção e só existem dois tipos de homens os que constroem e os que destroem. Só os primeiros conseguem suportar a luz do sol com a cabeça erguida. E ria por dentro. Foi nesse dia que antes de voltar para casa passou no floreiro e comprou margaridas. Ao entrar em casa a mesa já estava posta. Colocou o grande buque em cima da mesa e se retirou para tomar seu habitual banho. Voltou perfumado e reparou que Dramélia estava estática namorando as margaridas. Ele não chegou a dizer nada, foi ela que inaugurou o diálogo com a frase-Não vale a pena. Ele retirou uma e estendeu até ela e ela não pode se conter. Era muito amor, muito afeto, era muito mais que um clarão em tempestade. Eles se beijaram. Tudo então era aroma. Um aroma desconhecido por ambos. Sentia a sua pele e não sabia responder. Sentia seus carinhos e era muita luz. O vestido ia se perdendo pelo tapete. Seus braços iam se enrolando no corpo dela. As peles iam despertando, iam nascendo. Os pelos iam se arrepiando, se contaminando. Até que o abençoado findou-se e dormiram.

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