quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Rugas.



Aos sessenta ele pôs-se velho. Não saía mais para festas, não gostava mais de som alto. Detinha-se a cuidar dos cocos do cachorro, de olhar se as laranjeiras brotariam no inverno e de levantar-se bem cedo para lavar o pátio e suas lajes do outro século.
Dez anos após parou com o encontro dos filhos em sua casa, relaxou em algumas coisas e passou a se divertir apenas com os comentários e as canções muito antigas que tocavam na rádio de sua meninice.


Sempre viúvo, militarmente enfático, perpetuamente ético e integro espantava-se com a política, com a liberdade dos novos tempos e confundia-se com esse palavreado moderno que passava pela boca dos filhos e dos netos. Era romântico, via-se nos olhos. Era sensível, via-se nas lágrimas. Era um homem que a vida lapidou sua alma, via-se nos gestos.


Sua memória se perdeu, mas não se perderam as coisas essenciais. Vespertinamente, com quase oitenta, continua relembrando que irá para cidade banhada pelo mar. Nunca mais se esqueceu do amor que foi em hora imprópria. Esquecemos-nos de tantas coisas nos dias de hoje, estamos tão atordoados com nós mesmos. Nunca esqueceu as datas importantes e dos aniversários, muito menos de ligar, comprar o presente e dizer muitos anos de vida. O tempo é tão passageiro nessa passagem. As provas, os alunos, a palestra, o concurso e o vinho? A flor? A janta? O vou lhe visitar e ir mesmo?


Faz contas e mais contas, mesmo com dinheiro sobrando. Liga inúmeras vezes para o tal cartão de crédito para ver se a fatura já fechou. Conversa com a secretária eletrônica porque o seu mundo é de conversar. A velhice nos impressiona, mas o que impressiona mesmo é que eles já não correm mais. Não correm na consulta do médico, não correm para arranjar alguém para fazer amor, não correm engolindo a comida, eles não correm furando a fila do caixa. Só correm para dormir, para atender os filhos, para ver os amigos que cada vez são menos, para se encontrar com Deus, para pegar um lugarzinho no banco do ônibus porque as pernas ficam cansadas de correr atrás dos netos. A velhice nos impressiona porque teremos que parar.


Teremos que parar de abusar de deixar o tema de casa para depois. De preparar bolinhos para as visitas, de ir buscar o amigo no aeroporto, de deixar que o menino bagunce o quarto, há tanto tempo para ajeitar. De levar a menina para brincar na gangorra, não há tanto sol que possamos adiar. Os impertinentes afazeres sociais que nos criam rugas. Não vejo mais rugas naquele rosto, não é que estão misturadas com tantas outras, é que agora ele não precisa mais dar sorrisinhos amarelos.

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