domingo, 23 de outubro de 2011

[flores]


Ele se postou a ver a vida com um olhar distante. Tirou de ter alegria, tirou de ter tristeza.
            Se essa parte de nós que diz vamos fazer um passeio, vamos pescar, vamos contar as estrelas, vamos e não me deixe aqui tivesse sexo, ele passou a se comportar não como alguém que não tivesse mais sexo, mas quem tem resignação pela falta do sexo.
            Alguma coisa se desencantou ou o que vinha se desencantando por fim tomou sentido. Um sentimento que foi indo e foi indo, cantando um choro. E aquele veneno de cobra foi se espalhando, até que o corpo estava com boa parte tomada. Como se ainda não bastasse, mais um pouco, nos últimos anos a alma dele foi ficando opaca. Nem branca e nem negra. Ele aqueceu muito por dentro e mesmo querendo olhar para estrada do lado de  fora, as coisas passavam pelos olhos embaçadas. Um embaçamento que foi embaraçando até o que era tão comum no seu dia-a-dia.
            Em outros tempos encontrava o que fazer. Regava aquele seu quintal interior com pequenos afazeres. Caminhava pelo bairro por volta de 45 minutos, lia seus jornais e ouvia o seu rádio antigo. Em seguida tomava o café e ia ao banheiro. Antes disso, se parava no portão a vigiar a vida alheia. Sabia de tudo ou quase tudo. Sabia dos namoros que iniciavam, dos homens que batiam nas mulheres e elas passavam ali envergonhadas e ainda com hematomas que deixavam marcas no rosto. 
            Sabia também dos homens que apanhavam das mulheres e usavam camisas fechadas para esconderem os arranhões e a pele ainda em carne viva. Sabia das crianças que estavam jogadas e as que os pais tinham atenção. Não ultrapassava nunca mais que meia hora naquele portão e não era uma rotina, pois as rotinas é que nos matam. Saía dali e tomava café. Tinha seus compromissos, eram poucos, mas eram os seus.
Um vento bate com essas saudades enquanto o carteiro ainda entrega uma correspondência em seu nome, mas ele já partiu. O menino diz que ele agora dá ordem unida para o exército dos anjos. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário