Ele se postou a ver a vida com um olhar distante. Tirou de
ter alegria, tirou de ter tristeza.
Se essa
parte de nós que diz vamos fazer um passeio, vamos pescar, vamos contar as
estrelas, vamos e não me deixe aqui tivesse sexo, ele passou a se comportar não
como alguém que não tivesse mais sexo, mas quem tem resignação pela falta do
sexo.
Alguma
coisa se desencantou ou o que vinha se desencantando por fim tomou sentido. Um
sentimento que foi indo e foi indo, cantando um choro. E aquele veneno de cobra
foi se espalhando, até que o corpo estava com boa parte tomada. Como se ainda
não bastasse, mais um pouco, nos últimos anos a alma dele foi ficando opaca.
Nem branca e nem negra. Ele aqueceu muito por dentro e mesmo querendo olhar
para estrada do lado de fora, as coisas
passavam pelos olhos embaçadas. Um embaçamento que foi embaraçando até o que
era tão comum no seu dia-a-dia.
Em outros
tempos encontrava o que fazer. Regava aquele seu quintal interior com pequenos
afazeres. Caminhava pelo bairro por volta de 45 minutos, lia seus jornais e
ouvia o seu rádio antigo. Em seguida tomava o café e ia ao banheiro. Antes
disso, se parava no portão a vigiar a vida alheia. Sabia de tudo ou quase tudo.
Sabia dos namoros que iniciavam, dos homens que batiam nas mulheres e elas
passavam ali envergonhadas e ainda com hematomas que deixavam marcas no
rosto.
Sabia
também dos homens que apanhavam das mulheres e usavam camisas fechadas para
esconderem os arranhões e a pele ainda em carne viva. Sabia das crianças que
estavam jogadas e as que os pais tinham atenção. Não ultrapassava nunca mais
que meia hora naquele portão e não era uma rotina, pois as rotinas é que nos
matam. Saía dali e tomava café. Tinha seus compromissos, eram poucos, mas eram
os seus.
Um vento bate com essas saudades
enquanto o carteiro ainda entrega uma correspondência em seu nome, mas ele já
partiu. O menino diz que ele agora dá ordem unida para o exército dos anjos.
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