domingo, 16 de outubro de 2011

[porta fechada]


O Carteiro lhe entregou as mesmas quinze cartas dos últimos 20 anos. O velho Muricildo recebeu da mesma forma - gentilmente ofereceu um cafezinho para o homem e o homem como de costume disse-lhe que estava ocupado e que ficava para outra oportunidade. Um fazia ser verdade e outra cúmplice daquela mentira. O carteiro não via dano algum o velho escrever para si mesmo.
            Nas cartas Muricildo falava das laranjeiras que tinham pego doença nas folhas, da depressão dos cachorros quando chovia e passavam mais tempo presos, comentava da visita do mecânico que mais uma vez não resolveu o problema do carburador do Corcel e até ele se enrubrecia quando tratava das visitas de Filomena para arrumação da casa, lavação das roupas e outros pequenos afazeres. Cuidava os joelhos torneados e a boca carnuda da mulher que devia ter tido beleza e faceirice quando mais nova.
            Já ia dando as costas quando o carteiro anúncio o aparecimento de mais duas correspondências. Voltou, pegou em suas mãos os envelopes, passou com os olhos a vista nos remetentes e as rasgou. O carteiro em tom repreensivo, quase acusatório e culpando de um crime disse que isso era um desaforo. Voltou-se para o homem magro, estatura mediana e uniforme sempre bem engomado – Não cabe encontrar o que não quer ser mais achado.

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